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Editorial

Com novos municípios, Brasil cabe cada vez menos no PIB

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Com novos municípios, Brasil cabe cada vez menos no PIB

Tínhamos, em 5 de outubro de 1988, pouco mais de 3.900 municípios. Hoje, são mais de 5.500. Foram criados com a necessidade de o mesmo povo, que sustentava as estruturas burocráticas dos anteriores (3.900), sustentar mais 1.600 novas estruturas, com mais 1.600 Poderes Executivos e Legislativos e, à evidência, com necessidade de uma carga tributária maior sobre a mesma população.

A criação destes municípios - e de três novos Estados, com a Lei Suprema de 1988 - foi um dos fatores que elevaram a carga tributária de 24% para 37% do PIB.

E com tendência de aumentar, pois os municípios, os Estados e a União vivem com permanentes problemas de caixa, buscando sempre, de renovadas formas, retirar mais recursos dos contribuintes para se autossustentarem, assim como as benesses dos detentores do poder.

Aquilo que o contribuinte sabe quanto custou para ganhar e sobreviver, em face desta permanente elevação da carga tributária, é dele retirado. Mais de um terço do que tem ou ganha é direcionado para sustentar uma Federação má prestadora de serviços públicos. A Federação brasileira, decididamente, não cabe no PIB.

Bem fez a presidente Dilma em vetar o PLC 98/2003, que cuidava de fusão, criação e desenvolvimento de novos municípios, com o irrespondível argumento de que haveria aumento de despesas, sem correspondente aumento de receitas, a não ser à custa do aumento da carga tributária.

Insistência parlamentar

Volta o Legislativo à luta por criação, fusão, incorporação ou desenvolvimento dos municípios com o PL 104/2014, recém-aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados.

À evidência, é um eufemismo falar em "fusão e incorporação" de municípios, pois quem tem o poder não o larga nunca, a não ser que o perca para adversários. A "fusão e a incorporação" representaria, em princípio, redução de duas cidades para uma, de 2 Executivos para 1, de 2 Legislativos para 1, com a correspondente perda do poder dos políticos que não comporiam a nova administração.

"Criação e fusão" de municípios é tão ficção científica - diria "ficção política" - quanto a criação de territórios. Esta é uma norma constitucional de impossível adoção, pois implicaria a concordância dos poderes dos Estados em vê-los transformados em territórios, com a consequente transferência para a União de sua administração.

O que o PL 104/2014 cuida é, efetivamente e só, da criação de novos municípios, abrindo espaço para que mais políticos possam ingressar no cenário já demais lotado, que será sustentado pelo aumento de carga tributária dos cidadãos "não governamentais".

Tenho me oposto a esta proliferação de burgos desde 1988, quando disse que a Federação, com o novo modelo de aumento do custo e do peso do Estado, faria com que ela não coubesse no PIB, adaptando frase do confrade Antonio Delfim Netto para a realidade brasileira.

A criação de inúmeros municípios sem qualquer base de sustentação tributária - e dependente dos repasses da União, do Fundo de Participações do IPI e IR - demonstra que minhas preocupações procediam. Houve, em poucos anos, um fantástico nascimento de novos municípios, chegando ao número atual.

Em boa hora, foi possível estancar, com a Emenda nº 15 de 1996, a qual modificou o § 4º do artigo 18 da CF, dando-lhe a seguinte redação: “A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”

É inacreditável a abertura de espaços para geração de novos políticos, de novos detentores do poder, de novos índices elevados da carga tributária, de novos integradores do poder, ou seja, de novos burocratas.

A possibilidade de lei complementar para abrir novamente campo, objetivando a expansão de novos municípios – há quase 400 novas tentativas de criação - afigura-se preocupante, pois implicaria necessariamente que a mesma população iria sustentar não mais um Executivo e mais um município, mas dois Executivos e duas Câmaras Municipais.

O peso tributário sobre essa população seria maior, além de promover uma redução de percentual de participação unitária municipal no fundo correspondente. Ou de um aumento de despesas para a União, se tal redução não houver, com a consequente pressão sob áreas de sua atuação institucional.

Pessoalmente, estou convencido que a criação de novos municípios interessa, fundamentalmente, aos políticos e burocratas do Brasil. Parafraseando Thomas Friedman, em seu livro "Quente, plano e lotado", o país já está "lotado" em número de governantes, "plano", em seus objetivos políticos (ter o poder e como efeito apenas colateral prestar serviços públicos) e "quente". O calor, todavia, sendo a irritação que faz o sangue subir à face, pela sinalização de novo aumento da carga tributária para cobrir as despesas decorrentes de sua criação.

Decididamente, o Brasil cada vez cabe menos no PIB.

Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.

Artigo publicado no portal UOL em 19/8/14, editoria Notícias/Opinião.

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