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Editorial

A Conferência de Lima: progresso ou regresso?

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A Conferência de Lima: progresso ou regresso?

Deve ser dura a vida dos embaixadores do Itamaraty que representam o Brasil nas conferências sobre o clima, como a que ocorreu em Lima, no Peru, há alguns dias.

Apresentar como um sucesso os medíocres resultados da Conferência de Lima é fazer pouco da inteligência dos brasileiros.

O objetivo do encontro foi preparar uma proposta para substituir o Protocolo de Kyoto, adotado em 1997, que tentou promover ações que reduzissem as emissões de gases que estão mudando o clima da Terra. Esse protocolo colocava toda a responsabilidade nos países industrializados e isentava as nações em desenvolvimento (incluindo os países pobres da África, China, Brasil e Índia) de adotar medidas concretas para fazê-lo. O que se exigiu deles foram apenas inventários e outras medidas essencialmente retóricas. Mais ainda: condicionava essas medidas à transferência de recursos dos ricos para os pobres.

Essas posições poderiam ser consideradas razoáveis em 1992, quando foi adotada a Convenção do Clima e os países em desenvolvimento contribuíam pouco para as emissões globais.

Sucede que se passaram mais de 20 anos, desde 1992, e o mundo mudou. A China hoje é o maior emissor mundial superando os Estados Unidos. O Brasil é a sexta economia do mundo e não está na mesma categoria de Tuvalu ou Sierra Leone, que realmente precisam de auxílio para fazer qualquer coisa nesta área.

Apesar disso, a retórica usada em Lima pelos representantes dos países em desenvolvimento não mudou, e eles continuam a insistir nas mesmas colocações que faziam em 1997 e que são, no mínimo, obsoletas.

A China, claramente por interesses próprios, começou a mudar de posição e anunciou que vai reduzir as emissões até 2030. São propostas claras e objetivas que visam diminuir o nível de poluição que está tornando a vida dos chineses insustentável nas grandes cidades.

Na Conferência de Lima, foi considerada uma grande vitória da diplomacia dos países em desenvolvimento — incluindo a do Brasil — a inserção de um parágrafo repetindo o chavão de que o acordo a ser adotado em 2015 refletirá “o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e as respectivas capacidades considerando ainda as circunstâncias nacionais”.

Esse parágrafo tem sido usado e abusado para justificar a inação, como se as emissões originárias da Alemanha ou dos Estados Unidos fossem diferentes das emissões do Brasil, da China e dos demais países em desenvolvimento. Não só elas têm o mesmo efeito como, no conjunto, superaram as emissões dos países industrializados.

A insistência em repetir esse parágrafo levanta suspeitas de que os países pretendem continuar a não tomar medidas concretas para reduzir as emissões. Para ser realista, seria necessário adotar políticas similares às da China, mudar a matriz energética, reduzir a contribuição dos combustíveis fósseis e estimular o uso de energias renováveis.

Em outras palavras, levar a sério as ameaças e os perigos que as mudanças climáticas estão trazendo e modificar gradativamente a direção do desenvolvimento para longe dos combustíveis fósseis. Isso pode ser feito sem prejudicar o crescimento econômico e o bem-estar das populações.

O Brasil conseguiu reduzir o desmatamento responsável pela maioria das nossas emissões no passado, mas as emissões do setor industrial, transporte e geração de energia estão aumentando e levando à carbonização da matriz energética brasileira. A queda das emissões devido à diminuição do desmatamento está sendo compensada pelo aumento das emissões em outros setores.

Pelo acordo de Lima caberá aos próprios países propor ações e apresentá-las ao secretariado da Convenção do Clima até abril de 2015. Essas propostas deverão ser quantificadas, mas o parágrafo incluído na resolução é vago e confuso. Essa é a oportunidade restante para o Brasil fazer uma proposta sensata e adotar compromissos realistas sem subterfúgios que convençam os próprios brasileiros de que o problema das mudanças climáticas está sendo levado a sério pelo governo.

José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 17/12/2014, página 15.

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