Notamos que você possui
um ad-blocker ativo!

Para acessar todo o conteúdo dessa página (imagens, infográficos, tabelas), por favor, sugerimos que desabilite o recurso.

Editorial

Está se fechando a janela do pré-sal

Ajustar texto A+A-

Está se fechando a janela do pré-sal

O plano de investimento anunciado pela Petrobras está em sintonia com a realidade. Abre mão de operações diversificadas demais e retoma a missão original da empresa: tornar o Brasil autossuficiente em petróleo. Mas, para avaliar a estratégia apresentada, precisamos reconhecer que o mundo atravessa uma nova transição energética. Ela vem sendo acelerada por políticas públicas que visam reduzir emissões de carbono. Em transições anteriores, o carvão substituiu a madeira, e o petróleo substituiu o carvão. Mais recentemente, o petróleo vem sendo substituído pelo gás, porque grandes reservas foram descobertas e por ser menos poluente e emitir menos dióxido de carbono, principal responsável pelo aquecimento do planeta. No futuro, fontes de energia renováveis se tornarão dominantes.

As principais reservas de petróleo remanescentes estão no Oriente Médio, uma região politicamente instável. Depender delas cria problemas geopolíticos que muitos países preferem evitar. É o caso da maioria das nações da Europa. Os Estados Unidos, tradicionalmente grandes importadores de petróleo da Arábia Saudita, compram cada vez menos. Estão usando gás e óleo de depósitos de xisto, cuja contribuição aumentou muito, graças a avanços tecnológicos. Pensou-se, inicialmente, que a queda do preço do petróleo de mais de USS 100 por barril (em 2008) para USS 60 (desde 2014) se devesse ao aumento da produção nos Estados Unidos ou a uma tentativa da Arábia Saudita de "quebrar" as empresas que produzem óleo de gás de xisto. Mas não. Por uma mudança estrutural na economia, o consumo de petróleo dos Estados Unidos e de outros países industrializados caiu de 50,1 milhões de barris por dia em 2005 para 45,5 milhões em 2013, segundo um artigo na revista americana Foreign Affairs de dezembro de 2014. A tendência começou antes da crise de 2008 e do aumento da produção de gás e óleo de xisto nos Estados Unidos.

A mudança estrutural tem origem em ganhos de eficiência no uso de combustível em setores como transporte e indústria. Não restam dúvidas de que uma transição energética que reduz o consumo de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) está em marcha.

Mais ainda: as preocupações com o aquecimento global levaram os países do G7 (Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Japão, Canadá e Itália) a decidir reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa de 40% a 70% abaixo do nível de 2010, até 2050. A China também se comprometeu a cortar suas emissões a partir de 2030. Isso significa redução no uso de carvão e petróleo e aumento na contribuição de energias renováveis. Por isso, a exploração de petróleo do pré-sal no Brasil (e alguns outros países) se tornou problemática.

O custo de produção de petróleo do pré-sal é de cerca de USS 40 por barril, segundo os próprios dados do balanço da Petrobras. É muito mais elevado que o custo de produção nos países do Oriente Médio. Os custos são apenas os da rubrica "Exploração e produção", que atingiram cerca de RS 50 bilhões em 2010, para uma produção de cerca de 2 milhões de barris por dia. Há outros custos a considerar. A exploração do pré-sal que parecia uma boa ideia dez anos atrás (com o preço do petróleo a mais de USS 100 por barril) está deixando de sê-lo, devido a mudanças na evolução do uso de combustíveis no mundo.

O que agravou esse quadro, para o Brasil, foi o tempo que levou a exploração do pré-sal a dar resultados. Isso se deve, em boa parte, às novas exigências introduzidas na legislação há poucos anos: participação nacional muito elevada e a necessidade de a Petrobras comandar todo o processo de produção. Essas condições afastaram grandes empresas petrolíferas que poderiam dividir com o Brasil os custos e os riscos da exploração e, com isso, acelerar a produção. Tudo indica, pois, que estamos perdendo uma janela de oportunidade. Ela está se fechando. Isso não significa abandonar completamente a exploração do pré-sal, mas redimensionar investimentos e adotar, como meta, a autossuficiência na produção de petróleo cerca de 2 milhões de barris por dia, e não 4 milhões, como era, irrealisticamente, o sonho do atual governo federal.

José Goldemberg  é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo publicado na revista Época, em 04/7/2015, página 0059.

Fechar (X)