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Editorial

Aquecimento global: causas devem ser precificadas, alerta Goldemberg

Para o presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, o aquecimento global é o principal problema decorrente do próprio sucesso do desenvolvimento econômico e social do século XX

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Aquecimento global: causas devem ser precificadas, alerta Goldemberg

O aquecimento global é provocado pela emissão de gases resultantes da combustão de combustíveis fósseis e de desmatamento nos países em desenvolvimento
(PixAbay)

José Goldemberg

Existem enormes diferenças entre os entusiastas de uma economia de mercado e aqueles que defendem o controle do Estado sobre os meios de produção.

Há, contudo, um problema comum aos dois tipos de economia, privada ou estatal: como tratar as "externalidades", definidas como os efeitos que a produção de bens ou serviços sobre outras pessoas, que não estão envolvidas nestas atividades e que não se beneficiam dela?

Por exemplo, os fabricantes de automóveis comercializam seus produtos e atendem com isso satisfatoriamente aqueles que os compram. Sucede que automóveis emitem poluentes que comprometem a qualidade do ar e afetam a saúde de quem nem produziu carros e nem se beneficiou do seu uso. Isto acontece independentemente do fato de a produção estar nas mãos de empreendedores privados ou do Estado.

O mesmo ocorre com fabricantes de cigarros e fumantes: os que não são fumantes são afetados involuntariamente pela fumaça produzida pelos fumantes.

Os defensores de uma economia de mercado dão uma resposta simples a estes problemas: ela se baseia no fato de que os direitos de propriedade são mal definidos, isto é, não existe um mercado de poluição com custos monetários bem estabelecidos.

Se um mercado deste tipo for estabelecido, o produtor da poluição deverá pagar para eliminar suas consequências. Este é o "princípio do poluidor pagador", base da legislação ambiental da Europa que foi adotada na década de 70 do século passado.

Ela se originou nos problemas causados no passado pelas agruras de pequenas cidades nas regiões montanhosas da Europa, em especial na França. Água limpa era retirada dos rios e córregos na entrada das cidades, e o esgoto era lançado de volta nos rios na saída. Sucede que alguns quilômetros abaixo encontrava-se outra pequena cidade que recebia água poluída. Para resolver o problema, estações de tratamento dos esgotos foram construídas e seu custo era pago pelas taxas recolhidas dos seus habitantes, de modo que os esgotos eram tratados e só lançados de volta nos rios se a qualidade da água não fosse afetada.

Ocorre que em muitos outros casos quem se beneficia ou quem é prejudicado por uma dada atividade econômica é muito mais difícil de determinar. Mesmo quando isto é feito, é preciso que os problemas se agravem o suficiente para que as pessoas aceitem pagar as taxas adicionais.

Nos países com economias centralizadas, como era a União Soviética, no passado, o próprio planejamento deveria prever as consequências das atividades produtivas, de modo geral medidas corretivas deveriam ter sido incorporadas ao processo, mas isto não acontecia. O exemplo mais evidente de fracasso foi o que ocorreu com o Mar Aral, que era na ocasião o maior lago de água doce do mundo. A água dos rios que alimentavam o lago foi desviada para a irrigação e produção de algodão, mas o resultado final foi que o lago começou a secar e agora corre o perigo de desaparecer.

Hoje, nos defrontamos com novos problemas decorrentes do próprio sucesso do desenvolvimento econômico e social do século XX. O principal deles é o aquecimento global provocado pela emissão de gases resultantes da combustão de combustíveis fósseis e de desmatamento nos países em desenvolvimento.

Alguns países estão adotando legislação que limita as emissões, como é o caso dos Estados Unidos, o que abre caminho para o desenvolvimento de alternativas energéticas ou processos produtivos mais eficientes que reduzam as emissões.

Outros, porém, como o Canadá, estão simplesmente adotando taxas sobre o carbono, que é o método clássico proposto pelos economistas. O governo federal canadense determinou que as províncias imponham uma taxa sobre as emissões de aproximadamente US$ 5 em 2017 e que deverá subir até US$ 50 até 2022. Os recursos obtidos com estas taxas poderão ser usados para reduzir outras taxas ou para promover o uso de energias renováveis. Empresas poderão trocar entre si "certificados de emissões" uma vez que é mais fácil para algumas reduzi-las do que em outras.

Usar taxas ou impostos para reduzir externalidades não é nenhuma novidade: elas são aplicadas na venda de cigarros.

Mais recentemente discute-se a adoção de impostos para bebidas com alto teor de açúcar. Reduzir o uso de bebidas açucaradas terá efeito positivo no combate à diabetes e obesidade, que atingiram níveis alarmantes nos EUA.

Para que medidas corretivas à selvageria do mercado sejam adotadas, isto é, para que externalidades sejam reconhecidas como tal e originem novas taxas ou legislação apropriada, é preciso que o número de pessoas atingidas seja tal que leve a uma mudança de paradigma.

No caso da poluição urbana, a situação às vezes atinge níveis de calamidade pública, como ocorreu nas grandes cidades chinesas, o que leva as autoridades a agir.

No caso do aquecimento global, o problema é mais difícil porque os poluidores são muitos e emitem quantidades diferentes de gases de efeito estufa. É por isso que as negociações internacionais sobre este problema são tão difíceis: os países menos desenvolvidos se colocam na posição de "vítimas" e acusam os países industrializados de produzirem a poluição.

Sucede que o agregado das emissões dos países mais pobres já supera as emissões dos mais ricos e foi isto que permitiu que se chegasse a um acordo em Paris em dezembro de 2015, o que não ocorreu com o Protocolo de Kyoto adotado em 1997.

Hoje, há um rumo claro a seguir, que é a precificação das causas desta nova externalidade que é o aquecimento global.

*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 9 de novembro de 2016.

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