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Editorial

Brexit estimula reflexão sobre o gasto público e o conceito de soberania

Ives Gandra Martins avalia os argumentos contrários e a favor da medida, que demonstra a insatisfação de grande quantidade de pessoas com a atual estrutura da União Europeia

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Brexit estimula reflexão sobre o gasto público e o conceito de soberania

Reino Unido já anunciou o corte de tributos sobre as empresas ("CorporateTax"), amplamente criticado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) (Reprodução/FreePik)

Por Ives Gandra da Silva Martins e André Elali

Conforme notícias e outros artigos dos subscritores, o mundo foi surpreendido com a opção da maioria da sociedade britânica de saída da União Européia.

O primeiro subscritor deste artigo, em 1996, publicou o livro “Uma Visão do Mundo Contemporâneo", também veiculado em Portugal, Romênia, Bulgária e Rússia, no qual já prognosticava as inúmeras dificuldades da tentativa de formulação de políticas econômicas conjuntas, com administrações financeiras tão diversas nos vários países europeus.

Tal previsão demonstrou-se confirmada, não só pela crise do Euro de 2011 e os problemas orçamentários da Grécia, Portugal, Espanha e Itália, como agora pelo plebiscito inglês, que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia.

Comenta-se, entre os britânicos, que a maioria votante é mais velha e, portanto, não estaria apta a avaliar os impactos sobre os mais jovens, que aparentemente preferem o status atual da União Européia.

Há um clima de preocupação especialmente dos londrinos. O referendo foi decidido nas demais cidades e no interior, pois para os londrinos a manutenção do status quo seria o melhor caminho para a sociedade e à economia. Fala-se em recessão, em desintegração e em mudanças nas políticas de imigração dos cidadãos europeus, em especial.

Mas há alguns argumentos contrários que precisam ser avaliados. Um deles, e talvez o maior, é a visão e contradição das políticas econômicas entre os britânicos e os governos socialistas, como na França. Os britânicos temem a intervenção mais rígida dos governos em face de sua formação mais liberal, uma consequência da sua história cultural, religiosa e política. Temem também as políticas de gastos sem eficiência.

O problema é bastante complexo. De um lado, tem-se a demonstração da insatisfação de uma grande quantidade de pessoas com a atual estrutura da União Europeia. E isso em relação aos custos comunitários, que acabam ajudando países em constante crise fiscal, a exigirem ajudas institucionais inesgotáveis. E também com a redução da soberania dos países-membros, que é essencial para a estrutura do direito comunitário.

Entretanto, é evidente que os países-membros da União Européia compõem a segunda maior economia do mundo, quase próxima dos Estados Unidos, graças à forte integração econômica e quebra de barreiras ao comércio, ao capital e ao trabalho.

Verifica-se, em verdade, como muito complicada a atual estrutura da União Européia, em que ideais políticos, econômicos e culturais sâo tão diferentes. Há uma grande distinção da forma de pensar dos britânicos, mais adeptos à liberdade e menos afeitos às intervenções estatais, e os franceses, os mais vinculados às ideias socialistas, bem como os alemães, um tanto idealistas.

A expectativa que se tem é uma insegurança em todos os níveis, especialmente política e economicamente. A conclusão do BREXIT ainda não foi definida totalmente. Trata-se de um “processo", e não um ato", pois envolve: i) negociações entre a União Européia e o Reino Unido; ii) no primeiro trimestre de 2017, o Reino Unido deverá notificar formalmente a União Europeia, acatando o referendo de 2016; iii) possibilidade de formalização de tratados bilaterais e regimes especiais de tributação e de regulação; iv) as negociações podem permanecer por 2 (dois) anos, as quais podem incluir a permanência do Reino Unido na “European Economic Area", baseada nas 4 (quatro) liberdades fundamentais da União (capital, trabalho, mercadorias e serviços).

Uma coisa parece certa: o Reino Unido terá consequências econômicas evidentes. Por isso já anunciou o corte de tributos sobre as empresas ("CorporateTax") que foi amplamente criticado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pela França e Alemanha, que afirmam que a prática britânica se revela como uma medida de "guerra fiscal internacional". Enquanto as empresas no Reino Unido passarão a pagar 17% ou 15% de “Corporate Tax", o mesmo tributo na França chega a 33% e 30% na Alemanha. Ou seja, o tema da concorrência fiscal" ganha contornos atuais com a concessão de incentivos fiscais como moeda de troca na atração de investimentos e capital e na negociação da saída do Reino Unido da União Europeia. 

Para o Brasil, especificamente, infere-se que há certas extemalidades que merecem ser aproveitadas. Inicialmente, nas exportações de produtos que são também produzidos na Europa. Ou seja, é importante correr na disputa por espaço nos dois mercados (Reino Unido e UE). Por outro lado, aproveitar as potencialidades financeiras para negociação de PPP's e obras de infraestrutura, já que é, o Brasil, um dos maiores mercados do mundo e com possibilidades de retorno ao investidor internacional. E também realizar acordos bilaterais com ambos, para tomar o Brasil um player mais presente depois de 2 anos de tantas notícias ruins.

O “Brexit” é um processo que demonstra o desgaste das políticas da União Europeia, baseadas em ideais que não estão se mostrando eficientes no controle dos problemas econômicos e sociais. A crise econômica se avoluma e as dívidas dos países somente aumenta. Está ocorrendo uma grande “pedalada" que vai exigir um preço alto da Europa. Da mesma forma, é uma medida a exigir reflexão sobre o gasto público e sobre o conceito de soberania, que vem perdendo espaço há décadas em fase da liberalização do comércio internacional, mas com “regras” sempre dos mais fortes. É evidente que a saída da UE revela que o Reino Unido está desapontado com as políticas que interessam à Alemanha e à França, hoje aliados e que certamente virarão algozes em termos de concorrência fiscal. Os ideais comunitários estão perdendo força com a crise da segurança pública, diante da liberdade de acesso que acaba sendo problemática em face de extremistas. A “integração" passa por mudanças.

*Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP e André Elali é professor adjunto da UFRN, mestre e doutor em Direito e Visiting Scholar da Queen Mary University of London. 
Artigo publicado no jornal Novo Jornal/Natal em 21 de agosto de 2016.

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