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Editorial

A exterminação do social, por Paulo Delgado

O copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP escreve em artigo que os maus políticos são incentivados pela indolência e preguiça do voto popular

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A exterminação do social, por Paulo Delgado

Sociólogo afirma que o processo de decisão eleitoral é muito frágil e que os candidatos não precisam se esforçar muito para atender às miudezas do eleitor
(Arte: TUTU)

Por Paulo Delgado

O Brasil não é uma cômoda em que candidatos a presidente possam encher ou esvaziar suas gavetas. Basta alguém se achar importante que se autoriza a incomodar e ficar livre para trair o primeiro que nele confiar. Triste tempo em que as piores qualidades é que fazem alguém falado.

Há uma sobra de notícias que circula para um canto da sociedade onde a energia social é considerada baixa e pode ser tratada como resíduo. Bolsões frios se destacam no clima geral dos deserdados que julgam a democracia um resto. A gestão periódica desses resíduos é o que se costuma chamar campanha eleitoral.

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O País parece parado vivendo um ano horrível que produz cada vez mais sobras, desintegrando pessoas e instituições, conjuradas num faroeste cheio de bons, maus e feios. A lógica não é entender nosso contrato social e saber qual a essência do progresso. Até agora, quem se destaca parece mais um suicida triunfal, não de si mesmo, mas uma ameaça para a saúde da sociedade.

Ao mirar no simulacro do discurso ético, e não na solidez das regras do jogo e no futuro como horizonte, o que se estimula é mais personalismo, e a destruição de organizações falhas, que são essenciais e deveriam ser corrigidas. Há gradações no desatino, e nem tudo é moral quando se trata de política. A sedução que exerce quem tem facilidade de acusar, vigiar e punir não contém troca, logo, não é uma relação social autêntica, em que há partilha de responsabilidade. Esse comportamento de liquidação, onde nada presta, todo mundo é ladrão, só quem acusa é limpo, está abrindo espaço para um estrato pior de alvoroçados incivis deslumbrados, especializados em empurrar a razão para onde a paixão arrasta. Os que sabem tudo criaram esse hiperconformismo social m que a insolência faz o povo tolo.

A transparência e a “bondade” cegaram o brasileiro. O Estado de inclusão social, nossa caricatura do Estado de bem-estar social, nos fez singulares: a socialização ofertada como “inclusão”, em que o excluído é aceito sem deixar de ser excluído, está produzindo uma dessocialização do interesse geral, um freio no bom destino da sociedade. Nenhum pássaro precisa de avião para voar. Há muita hipocrisia circulando como valor: ninguém ousa admitir o que ganha com o mercado lucrativo que virou a desgraça dos outros. Bons candidatos devem cuidar de uma nova explanação e assim evitar a exterminação do social.

Há uma falsidade excremencial no ar que penetra no eleitor como engodo. Esgotado, vem sendo castigado com cenários de ficção. Qual o sentido de perguntar o que não faz sentido?. A indecisão exige que alguém exponha o trauma que tem sido profanar os fracos com a certeza dos autoritários.

A política precisa da temperatura amena de governos com sensibilidade social, capacidade de gestão técnica, conhecimento das leis da economia e da atual dinâmica do mundo. Os atléticos costumam dar mais calor na política, o que acaba ajudando a chocar o ninho de flamejantes pavões.

O Brasil dos últimos anos se estruturou em torno de cinco partidos, que impediram seu esfacelamento. A cooptação de políticos sustentou governos no Congresso como tarefa previsível. A taxa de escândalos não ultrapassava a cota de pecados próprios de organizações coletivas sem controle social externo, como é a má tradição brasileira. Aliás, foi o incontrolável Supremo, com sua mania de se meter no que não sabe, o responsável pelos mais de 35 partidos que temos hoje. Impediu a cláusula de barreira num primeiro momento e depois decidiu, como um tirano, que não há infidelidade partidária se o político sair do partido pelo qual foi eleito e fundar, ou se filiar, a um partido novo. No período Lula-Dilma, pela sua particular teoria da necessidade de transformar político em mercadoria, é que a areia movediça destruiu o Congresso. Atoleiro que os tragou e deixou claro que o fato de partidos garantirem a unidade do País não impede de destruírem sua experiência democrática.

De nada adianta querer que o Brasil seja governado por estranhos empolgantes. Juízo moral só se muda com melhores costumes e leis. Políticos não políticos ou desatinados costumam ser incentivados pela indolência e preguiça do voto popular. Os movimentos sociais e suas ONGs desdenharam da indiferenciação social criada pela internet e deixaram as massas fora do espaço fetal dos organizados. O manipulador se apodera ou do social abandonado, ou do entupido de direitos que não suporta o excesso de direito dos outros. E eleitor privilegiado e ferido adora um crápula para destruir a democracia, pois, para ele, não há nenhuma esperança. A mágoa escolhe alguém sem aprovar seu nome, isto é, destrava a granada e a entregar a um canibal, que promete acabar com o canibalismo comendo a todos.

Vivemos um tempo em que as instituições se encontram atacados por um eleitor sem apreço por biografias relevantes, oferecendo-se a ilusões como um viciado em lisonja e mentiras. Nosso eleitor tem pouca desenvoltura, acha que a política é um jogo dos outros e se orgulha de votar sem nenhuma informação. Aceita o fato de que só serve para ser sondado pelas pesquisas. E assim vai. Já tivemos o respeito social do cidadão que admirava quem estudou e, pouco depois, dos que diziam adorar quem nunca estudou. Boa campanha faz quem dá conta de que o eleitor não vive de política, ele mais absorve as coisas do que as provoca.

É muito frágil o processo de decisão eleitoral entre nós. Os candidatos não precisam se esforçar muito para atender às miudezas do eleitor. O problema é atingir a fantasia da massa, que não tem obrigação de acompanharam candidato. A decisão de escolher é abstrata. O eleitor já viu demais para acreditar em alguma coisa senão no absurdo. Com sua indiferença intensa, certo de que só deve trabalhar o necessário, a eleição de “qualquer um”, como a maioria anda dizendo, representa hoje um perigo real para o futuro do País.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo no dia 13 de junho de 2018.

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