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Legislação

Alteração da escala 6x1 causaria impactos relevantes à economia, alerta FecomercioSP em debate

Em audiência pública sobre o tema, Entidade defende que mudanças na jornada sejam discutidas em negociações coletivas e aponta riscos de redução de postos de trabalho e aumento nos custos à população

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A proposta de redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais tem gerado debates na sociedade brasileira, especialmente sobre a importância do equilíbrio entre as vidas profissional e particular do trabalhador. Não se pode negar o mérito da questão colocada, porém, é preciso ter cuidado com os impactos à economia, como a redução de vagas de emprego pelo desligamento de pessoal, menor número de contratações e aumento nos preços ao consumidor.

Em audiência pública promovida pela Subcomissão Especial da Escala de Trabalho 6x1, da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (30), realizada no Sesc Santana, em São Paulo (SP), a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) destacou que a diminuição da escala de trabalho deve ser discutida no âmbito das negociações coletivas, considerando as particularidades de cada setor econômico. A imposição da medida por lei pode enrijecer as relações entre trabalhadores e empregadores e trazer efeitos negativos, inclusive para serviços públicos prestados à população.

“Quando se legisla e engessa, acaba impondo-se algo que não pode ser tão bem customizado”, destacou Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP e diretor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). “Há setores que já se organizaram. A saúde, por exemplo, que pratica uma jornada de 180 horas mensais por causa do 12x36, não teria condição de fazer por dois. Isso tem de ser discutido por quem opera, por quem trabalha. Eles já têm uma jornada diferenciada, decorrente de processos negociais que contemplam os interesses tanto dos trabalhadores como das empresas. Ao se jogar a necessidade de dois dias seguidos de descanso, quebra-se isso, e essa quebra provoca um custo”, ponderou. 

Redução de jornada: gradual no mundo, abrupta no Brasil

Atualmente, a legislação já prevê flexibilidade. A Constituição estabelece jornada de até 44 horas semanais e 8 horas diárias. No Brasil, a média negociada é de 39 horas semanais, próxima de países como Estados Unidos (38 horas) e Portugal (38,2 horas). Na Alemanha, por exemplo, a lei permite 48 horas, mas acordos coletivos reduzem para 34,2 horas. 

Além de não considerar esse cenário, a PEC que pretende alterar o artigo 7º da Constituição Federal acerca da jornada formal laboral, vai na contramão da experiência internacional, na qual a redução da jornada tem sido feita de forma gradual. Os Estados Unidos adotaram uma redução anual de 11 horas em 15 anos. Já países integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziram 55 horas anuais no mesmo período. No Brasil, ao contrário, a proposta é reduzir, de uma só vez, cerca de 480 horas. 

“Esse é o desafio que nós temos pela frente. A economia teria de se ajustar a essa mudança abrupta e forte”, alertou o sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP, destacando que a decisão destoa da experiência mundial. 


Produtividade, condição essencial para reduzir jornada

O especialista ressaltou que uma das condições para a redução da jornada nas negociações é o ganho operacional. No entanto, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), enquanto na Noruega cada hora de trabalho gera US$ 93, no Brasil são produzidos apenas US$ 17. “É uma diferença brutal de produtividade”, enfatizou Pastore.

Além disso, dados de 2024 mostram que cada hora trabalhada por um brasileiro produziu US$ 21,4, mantendo o País na 78ª posição no ranking de produtividade global da Conference Board. Em contraste, os trabalhadores norte-americanos lideram a lista, com US$ 94,8 por hora. Esse cálculo considera fatores como tecnologia disponível, administração da empresa e qualificação da mão de obra, entre outras variáveis. Assim, promover cortes de jornada sem medidas que elevem a eficiência e a inovação tende a pressionar ainda mais esse indicador, reduzindo a possibilidade de avanços. Por isso, um ajuste gradual é necessário para que a sociedade e a economia também possam se adaptar.

“Nós precisamos uma certa cautela em fazer trocas legais que aumentem custos sem elevar a produtividade. A redução de jornada, quando realizada por negociação, leva em conta as características dos setores, dos ramos e dos trabalhadores. O setor está com uma produtividade alta? Vamos reduzir a jornada. O setor não está com produtividade alta? Não podemos reduzir a   jornada”, justificou o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da FecomercioSP.

Aumento do custo da hora trabalhada e risco para empresas

Além da necessidade de redução gradual e aumento da eficiência, outro ponto de atenção da FecomercioSP com a PEC é o seu efeito sobre a folha de pagamentos. Hoje, um salário de R$ 2,2 mil para 220 horas mensais equivale a R$ 10 por hora. Com a redução da jornada para 180 horas (36 horas semanais), haveria um acréscimo mínimo de 22,2%. 

A análise da Entidade aponta também um erro matemático no projeto, que prevê uma jornada de quatro dias de trabalho, com no máximo oito horas diárias, e três de descanso — o que resultaria em 32 horas semanais, em contradição ao texto que menciona 36 horas. Assim, considerando quatro horas adicionais — que seriam computadas como extras —, esse aumento poderia chegar a 37,5%.

O aumento do custo da hora trabalhada, sem ganhos de produtividade e receita, levaria empresas a repassarem despesas para produtos e serviços, bem como encerrarem atividades ou reduzirem postos de trabalho. O efeito seria particularmente perverso para micro, pequenos e médios negócios. Além disso, de acordo com estimativas citadas pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em contratos públicos de limpeza urbana, por exemplo, poderia haver uma pressão inflacionária em prefeituras na ordem de 15% a 20%, além do risco de reflexos na prestação de serviços. Mais uma vez, afetaria diretamente a população.   

Consequências para o PIB e o emprego

Estima-se, ainda, que a redução da jornada poderia provocar queda de até 6,2% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e a eliminação de 1,2 milhão de empregos formais já no primeiro ano. Dessa forma, o objetivo de melhorar a qualidade de vida com menos horas trabalhadas também se perderia, já que muitos trabalhadores poderiam ser obrigados a buscar mais de um emprego para manter o poder de compra diante da inflação, ou recorrer à informalidade.

De acordo com Pastore, setores como Comércio, Indústria, Agronegócio e Transporte teriam dificuldades para organizar escalas e turnos — incluindo jornadas 4x3 —, o que exigiria a contratação de muitos “folguistas”. Soma-se a isso o risco de criação de contratos diferenciados, que poderiam comprometer a isonomia entre empregados, gerando mais insegurança jurídica e problemas trabalhistas.

Contexto desfavorável e riscos para o País

Por fim, vale destacar o momento inadequado para a discussão, considerando o cenário atual do brasileiro: escassez de mão de obra, salários reajustados acima da inflação, possibilidade de aumento de custos para o governo em meio ao esforço de ajuste fiscal, incertezas decorrentes da Reforma Tributária, pressão da própria inflação e cobranças internacionais por produtividade diante da escalada da guerra tarifária.

Todo esse contexto torna a mudança um risco, que pode agravar os desafios nacionais sem que, necessariamente, se colha a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores ou a ampliação dos postos de trabalho. “Se fosse possível gerar empregos por lei, não haveria desemprego no mundo. Porque a primeira providência que o governante tomaria seria passar uma lei para acabar com o desemprego. Emprego depende de investimento, depende de crescimento e da pujança da economia”, ressaltou Pastore. 

Debate na subcomissão

Estiveram presentes no debate o deputado federal Leo Prates (PDT/BA), presidente da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados; Luiz Gastão (PSD/CE), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25; Luiz Carlos Motta (PL/SP), presidente da Fecomerciários/SP; e Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Além deles, participaram Hélio Zylberstajn, professor sênior na Universidade de São Paulo (USP), e representantes de diversos setores, como a Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse); a Confederação Nacional do Turismo (CNTur); a Confederação Nacional do Transporte (CNT); a Associação Paulista de Supermercados (Apas); a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); a Associação Brasileira de Supermercados (Abras); e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), além da Confederação  da Associação Brasileira de resíduos e meio Ambiente (Abrema), entre outras organizações.

A audiência pública foi a primeira realizada pela subcomissão da Comissão de Trabalho da Câmara, que deve fazer outros ciclos de audiências, em diferentes regiões do Brasil, para discutir o tema e ouvir os setores envolvidos até a apresentação do relatório final. 

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