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Editorial

Delgado avalia que 2016 foi um ano de "paralisia" para a economia de Angola

Mais de 95% do que Angola exporta é petróleo; prioritariamente para a China, crescentemente para a índia e menos interessante para os EUA

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Delgado avalia que 2016 foi um ano de "paralisia" para a economia de Angola

Delgado comenta que o arranjo institucional angolano, segundo classificação da ONU, trouxe estabilidade política a uma das terras mais conflagradas do globo
(PixAbay)

Paulo Delgado, com Henrique Delgado

227 quilates. Esse é o tamanho da pedra de diamante descoberta perto de Luanda, capital de Angola. A segunda maior registrada na história do país. Fevereiro também trouxe outra notícia melhor ainda para os 25 milhões de angolanos: a Organização Mundial da Saúde declarou que o surto de febre amarela pode ter chegado ao fim. Mas muitas outras pragas assolam o país.

O ano que passou foi de paralisia para a economia de Angola. Mais um ano ruim no país que ganhou sua independência em 1975, e continuou em guerra civil até 2002. Esfacelado pela guerra e presenteado com a dádiva do petróleo, a energia dos tiranos, o país cresceu em média 9% ao ano e iniciou 2017 como o maior produtor da África, à frente da Nigéria. Mesmo cortando sua produção para cumprir acordo com os países da Opep, a organização que manipula os preços internacionais. Ainda assim, a exportação angolana faturou em janeiro quase US$ 1 bilhão, principalmente de índia e China. Mais de 95% do que Angola exporta é petróleo. Prioritariamente para a China, crescentemente para a índia e menos interessante para os EUA

Embora seja uma ginástica mental associar política com Angola, um dos principais desafios do país é criar uma economia independente do petróleo ou capaz de se alimentar corretamente dele.

Discurso vazio, pois a bonança do ouro negro inundou de dinheiro um país paupérrimo, sem condições de canalizar democraticamente tais recursos. Nas oligarquias petrolíferas, o dinheiro criou o tempo, e a vida dos pobres é evitada pelos governantes como um aborrecimento.

Se tudo correr segundo o script oficial, desenvolvimento é a tarefa do novo governante a partir do ano que vem. José Eduardo dos Santos, um dos mais constrangedores líderes de esquerda do mundo, há 38 anos senhor de um único tema, a indiferença pelas idéias e a opressão de opositores, anunciou que não encabeçará a lista do partido na eleição do segundo semestre. Tudo indica que Angola, que é uma democracia russa desde 1992, continuará governada pelo MPLA, na figura de João Lourenço, formado na União Soviética, atual ministro da Defesa, marido de deputada e diretora do Banco Mundial, em Washington, até o ano passado.

O arranjo institucional angolano, segundo as confusões classificatórias e burocráticas da ONU, trouxe estabilidade política a uma das terras mais conflagradas do globo. Confusões sobre a liberdade, que alimentam atitudes erradas de seus inimigos, facilitaram que um governo medíocre reagisse por razões totalmente corretas. Elas geraram descalabros e uma boa desculpa ao poder arbitrário: especialmente quando os governantes, enriquecidos, se reconhecem em tudo que fizeram, mas consideram a situação do povo, empobrecido, como responsável por fatores externos. Pouco importam, no mundo atual, tesouros ou jazigos.

Os erros podem até mirar uma solução de melhor equilíbrio para todos. Mas que cidadão conseguirá seu pleno desenvolvimento em um meio que não vislumbra melhorar? Governos longos são doenças que sufocam a sociedade com sua presença, pois, para muitos, parecem amizade.

Pouco ajuda dizer, entretanto, que está tudo errado em Angola. Poderia ser pior. Já foi pior e o foi por larguíssimo período de tempo. A idealização do que é certo e melhor não pode se desconectar da realidade, sob pena de ser injusta. Ao mesmo tempo, condescendência exagerada não ajuda a ninguém senão aos investidores internacionais, desprovidos de responsabilidade para com o desenvolvimento mundial, e aos gestores locais em busca de um mínimo de visibilidade política.

Sonangol, a Petrobras local, criada para gerir sua maior fonte de riqueza, fez da sua presidente, filha do presidente da República, a mulher mais rica da África, frequentadora assídua da lista da Forbes. Há inúmeros outros casos no continente onde a riqueza familiar é construída a partir do controle do Estado pela família dos governantes.

Desde os anos 1980 existem duas explicações em confronto para a persistente pobreza africana. Um documento do Banco Mundial, chamado Relatório Berg, colocou o problema no colo das más elites locais. Veio para contestar um outro documento, eventualmente abraçado pelo sistema ONU, chamado Plano de Ação de Lagos, que colocava a culpa no persistente abuso internacional sobre o continente.

De lá para cá, a África melhorou, mas não empolga a agenda mundial. Nem Relatório Berg, nem Plano de Ação de Lagos. A verdade tem pinceladas de ambos, mas não mora mais em nenhum lugar. Povo rico é povo livre, e não há hierarquia para a liberdade. Ou a África é de todos ou continuará vendo a franja política produzir milionários da riqueza alheia.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense no dia 5 de março de 2017.

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