Sustentabilidade
11/11/2025Empresas precisam se preparar para a gestão de riscos e rastreabilidade em tempos de emergência climática
Encontro da FecomercioSP traz exemplos reais e soluções práticas para adotar governança, resiliência e rastreabilidade nas operações
Especialistas apresentaram soluções para fortalecer a governança, as responsabilidades na cadeia de valor e a logística reversa (Crédito: FecomercioSP)
Especialistas apresentaram soluções para fortalecer a governança, as responsabilidades na cadeia de valor e a logística reversa (Crédito: FecomercioSP)
A governança, o monitoramento e o controle de riscos na cadeia de valor foram os temas centrais do debate promovido na reunião de novembro do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), realizada às vésperas da abertura das atividades da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém do Pará.
Na ocasião, o presidente do conselho, José Goldemberg, contextualizou que o encontro dos chefes de Estado e das delegações “não é deliberativo, mas político” e visa construir um ambiente propício para as decisões futuras. Embora o cenário político global seja desafiador, o Brasil tem assumido posição de liderança ao propor instrumentos inovadores para o financiamento da preservação ambiental. E lembrou que, desde as primeiras conferências climáticas, o multilateralismo perdeu força, cedendo espaço a compromissos individuais dos países. “Precisamos agir com realismo e prudência, mas com iniciativa. A sociedade e o setor produtivo não podem esperar apenas decisões diplomáticas”, completou.
O contexto atual é marcado por uma transição do multilateralismo das primeiras COPs — exemplificado pelo Protocolo de Kyoto — para o unilateralismo do Acordo de Paris, no qual cada país define as próprias metas climáticas. “É um retrocesso”, observou Goldemberg, citando a ausência de líderes como os dos Estados Unidos e da China como indicativo da fragilidade do consenso mundial. “O Brasil, entretanto, foi criativo ao propor um fundo cujos lucros seriam aplicados na preservação da floresta”, ressaltou, referindo-se à iniciativa do Ministério da Fazenda — o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (em inglês, Tropical Forests Forever Facility — TFFF). “Mas o mais importante é que organizações, como a FecomercioSP, estão agindo de baixo para cima, promovendo ações concretas no setor produtivo. E assim estamos reunidos para discuti-las hoje.” E, ainda, destacou a Agenda Verde defendida pela FecomercioSP, a qual sinaliza a relevância da contribuição de todos (governo, setor privado e sociedade) para o equilíbrio do meio ambiente do Brasil.
Governança e resiliência: o risco de terceiros como nova fronteira empresarial
O primeiro painel teve como palestrante Luiz Henrique Lobo, membro independente da Comissão de Gerenciamento de Riscos Corporativos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Lobo apresentou casos emblemáticos de falhas em governança e risco de terceiros, incluindo o escândalo do metanol, a queda global de provedores de nuvem e as fraudes no ecossistema do PIX, ilustrando como vulnerabilidades externas podem comprometer reputações e resultados financeiros. “A empresa pode terceirizar atividades, mas jamais pode terceirizar a responsabilidade. O cliente não quer saber se foi o fornecedor quem errou — ele vai culpar a sua marca”, abordou.
Dentre os pontos centrais da sua exposição, Lobo abordou três tendências decisivas para o mundo corporativo:
- velocidade dos riscos — eventos que antes se desdobravam em semanas, agora, explodem em minutos, exigindo respostas rápidas e bem planejadas;
- interconectividade — um risco pode disparar outros, como o reputacional levando ao financeiro;
- resiliência — a nova palavra-chave da gestão de riscos. O que define uma empresa sólida é a sua capacidade de resistir e reagir.
O membro do IBGC concluiu destacando os papéis da cultura organizacional e da liderança. “Governança e cultura de riscos são top down. O exemplo precisa vir do conselho e da alta direção — é isso que forma as empresas resilientes.”
Logística reversa e rastreabilidade do vidro: o desafio da economia circular
Em seguida, Jéssica Doumit, diretora-presidente do Instituto Giro e da Eu Reciclo, apresentou um panorama detalhado sobre logística reversa, com ênfase na cadeia do vidro, e as ações conjuntas com operadores, cooperativas e catadores.
Com o apoio técnico de Caio Trogiani, gerente de Operações da Eu Reciclo, Jéssica explicou o funcionamento do sistema de créditos de reciclagem, instrumento que conecta empresas, cooperativas e recicladores para dar viabilidade econômica à coleta de resíduos. “O Brasil produz 82 milhões de toneladas de resíduos por ano. O vidro é 100% reciclável, mas tem baixo valor econômico e alto custo logístico. O catador não quer coletar vidro porque se corta e ganha pouco. Nosso papel é mudar essa equação”, afirmou.
O crédito de reciclagem, explicou ela, remunera quem coleta, separa e destina corretamente o resíduo, tornando o processo financeiramente viável e reduzindo a dependência de subsídios públicos. Na sua visão, o caso do metanol serviu de exemplo de como a falta de rastreabilidade pode gerar tragédias e abalar a confiança dos consumidores.
Trogiani ressaltou que combater o mercado ilegal de garrafas e criar incentivos para o descarte formal é essencial a fim de evitar reincidências. Ele revelou que projetos estruturados pela Eu Reciclo, por exemplo, já triplicaram a reciclagem de vidro em mais de 50 municípios, com mais de 60 operadores envolvidos em oito Estados. “Quando o setor formal paga pelo vidro reciclado, acaba valorizando o trabalho de base, eliminando a informalidade e fechando o ciclo da economia circular”, complementou Jéssica.
Regulações e novos impasses legais
A segunda parte da reunião trouxe os efeitos do novo Decreto Federal 12.688/2025, que institui o Sistema de Logística Reversa de embalagens plásticas. Alexsandra Ricci, assessora do conselho, fez uma análise técnica sobre as novas metas regionais de recuperação de embalagens, os impactos sobre as Micro e Pequenas Empresas (MPEs) e as medidas de adequação necessárias no Comércio.
“O decreto traz avanços ao reconhecer a realidade do pequeno comércio, permitindo que atue como ponto de divulgação, e não de coleta — uma medida sensata e proporcional. Mas é importante que essa função tenha obrigações restritas à comunicação ambiental, sem novos custos ou burocracias. Precisamos de equilíbrio entre a viabilidade econômica e a efetividade ambiental para que o Comércio continue sendo parte da solução”, ponderou Alexsandra.
Também foi debatido o Projeto de Lei 818/2025 (PL Recicla), em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, de autoria da vereadora Renata Falzoni, que prorroga prazos e amplia as obrigações de reporte sobre embalagens comercializadas a granel. A proposta, segundo a FecomercioSP, gera preocupações quanto ao custo e à viabilidade operacional, especialmente para PMEs. “Precisamos propor ajustes para que as metas sejam factíveis e não causem efeitos regressivos sobre o Comércio formal”, frisou a assessora. Dessa forma, o conselho deliberou a respeito da necessidade de atuação institucional no Ministério do Meio Ambiente e na Câmara Municipal, com o objetivo de apresentar um ofício técnico da FecomercioSP contendo sugestões de aperfeiçoamento e de aplicação equilibrada das novas regras.
Educação ambiental, cultura empresarial e transição sustentável
No fim da reunião, os palestrantes responderam às dúvidas dos participantes, bem como enfatizaram a função da educação não formal e da comunicação digital como ferramentas de engajamento sobre descarte correto e economia circular. “A conscientização começa em casa, com o cidadão que separa o lixo acreditando que está reciclando. Nosso trabalho é garantir que isso realmente aconteça”, disse Jéssica. Lobo completou o raciocínio: “Falta cultura de risco e sustentabilidade nas empresas. Isso não se impõe por decreto, constrói-se pelo exemplo”.
Encerrando, Goldemberg reiterou a importância de o setor produtivo assumir responsabilidade ativa na agenda climática. “Não é amor pela humanidade, mas uma questão de sobrevivência econômica e social. É preciso compreender que sustentabilidade é investimento, não custo”, complementou. O Conselho de Sustentabilidade anunciou ainda a possibilidade de promover uma reunião extraordinária pós-COP30 para analisar as decisões da conferência e discutir como a FecomercioSP pode contribuir para transformar os compromissos internacionais em ações concretas no Comércio e nos Serviços brasileiros. Siga este canal para acompanhar todas as novidades.
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