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Editorial

Excessivo protagonismo da Suprema Corte contribui para a instabilidade do Direito brasileiro, afirma Ives Gandra

O assunto tem sido amplamente discutido pelo Conselho Superior de Direito da FecomercioSP há aproximadamente um ano, com debates, programas audiovisuais e palestras sobre a necessidade de modernização do Poder Judiciário

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Excessivo protagonismo da Suprema Corte contribui para a instabilidade do Direito brasileiro, afirma Ives Gandra

Para Ives Gandra, há um sistema de freios e contra freios na lei suprema, não devendo nenhum dos poderes invadir área de competência do outro, pois pode colocar em risco a estabilidade democrática
(PixAbay)

Ives Gandra Martins

O Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, há aproximadamente um ano, está promovendo uma série de debates, programas audiovisuais e palestras sobre a necessidade de modernização do Poder Judiciário. Já participaram, com sugestões no primeiro grupo de entrevistados, os juristas Maria Cristina Peduzzi, Marco Aurélio Mello, Marivaldo Pereira, Márlon Reis, Renato Nalini, Janaina Paschoal, Oscar Vilhena, Diego Werneck, Ives Gandra Martins Filho, Nelson Jobim, José Eduardo Faria, Edson Fachin, Carlos Ayres Britto e eu, Ives Gandra da Silva Martins. Sou curador do Projeto.

Alguns aspectos foram bem realçados por estes reconhecidos operadores do Direito: “lentidão da Justiça; o tamanho do Judiciário brasileiro; a disfuncionalidade gerada pelo excesso de processos; as mudanças no novo Código de Processo Civil e os motivos que ainda nos afastam de gozarmos de uma Justiça célere e eficiente no País”.

Pessoalmente, entendo que um fator de instabilidade no Direito Brasileiro atual decorre, nada obstante ser o Poder Judiciário, de longe, o poder que melhores servidores têm para o desempenho de suas funções (em primeira instância, todos concursados e nos Tribunais com eficiente participação da advocacia e do Ministério Público), padece de um excessivo protagonismo da Suprema Corte.

A Constituição Federal fez questão de realçar que a harmonia e a separação dos poderes são os alicerces de um Estado Democrático de Direito (artigo 2º). As invasões de competência são vedadas pela lei suprema, com mecanismos para preservá-la. Tanto é assim, que mesmo nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §2º) não cabe ao STF legislar, mas sim ao Parlamento.

Pode a Suprema Corte declarar que o Congresso está se omitindo de forma inconstitucional, mas não pode fazer a lei no lugar do Legislativo. A Constituição exigiu, pois, que o Poder Judiciário seja apenas um legislador negativo – não dar curso a leis inconstitucionais -, mas nunca um legislador positivo – fazer a lei no lugar do Parlamento.

Pode o Congresso barrar a invasão de sua competência (artigo 49, inciso XI), não aceitando decisões neste sentido, pois manda a disposição da lei suprema que é sua função zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes.

A meu ver, os parlamentares só não o fazem, por receio dos processos penais em curso, havendo um número apreciável de deputados e senadores envolvidos. Se, todavia, houver um conflito de Poderes e um deles recorrer às Forças Armadas, estas estarão acima dos três Poderes, para repor a ordem e a lei, nos termos do artigo 142 da Constituição Federal.

Há, portanto, um sistema de freios e contra freios na lei suprema, não devendo nenhum dos poderes invadir área de competência do outro, pois pode colocar em risco a estabilidade democrática.

A matéria tem sido objeto de discussões, ainda no plano acadêmico – até em bancas por titulação universitária -, mas esta ingerência do Poder Judiciário, cada vez maior, na área própria de atuação de outros Poderes é perigosa.

Essa atuação invasiva ocorreu, entre muitas outras, na definição de fidelidade partidária (artigo 17), na posse de candidatos derrotados a governador (artigo 81), na criação do aborto eugênico, em habeas corpus para abortários clandestinos (artigo 128 do Código Penal), na união estável de pessoas do mesmo sexo (artigo 226, §3º), na prisão de parlamentares (artigo 53, §3º) e em muitas outras hipóteses, o que gera permanente insegurança jurídica.

Não é a Constituição nem a lei conformadas por um Congresso eleito por 140 milhões de brasileiros que prevalece, mas a opinião de um sodalício constituído por apenas 11 cidadãos, que, embora excelentes juristas, foram eleitos por um homem só, o presidente da República. Creio que a matéria deve sair da reflexão acadêmica para um amplo debate nacional, com a presença, inclusive, dos membros dos Tribunais Superiores.

*Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.
Artigo publicado no portal Jota no dia 24 de abril de 2017.

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