Legislação
11/06/2025Explosão de ações que tratam de pejotização e terceirização pressiona STF e ameaça a produtividade da Justiça do Trabalho
Em reunião na FecomercioSP, advogado analisa tema em discussão na alta Corte e ressalta que ainda faltam segurança jurídica e harmonia entre as jurisprudências

A avalanche de processos relativos à “pejotização” — prática em que empresas contratam profissionais como pessoas jurídicas — e à terceirização da atividade-fim gerou um ambiente inédito de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o advogado e professor na Universidade de São Paulo (USP) Estêvão Mallet, membro do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), durante a reunião de maio do órgão. “É uma coisa completamente fora de proporção”, afirmou.
Contextualizando cronologicamente o problema, o professor chamou a atenção para o foco da discussão e a dificuldade histórica de diferenciar, na prática e no direito, o que é atividade-fim e atividade-meio — distinção fundamental que pautou a antiga súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no fim dos anos 1990, que, na falta de um marco legal, gerenciava a questão.
“Escreveram-se páginas e páginas para tentar distinguir o que é atividade-fim e o que é atividade-meio — e nunca se conseguiu chegar a uma conclusão certa e segura. E, pior do que isso, essa distinção não tem fundamento jurídico”, avaliou Mallet. Ele ainda ressaltou que “o que vai definir se existe ou não contrato de trabalho não é a atividade-fim ou atividade-meio, mas a forma como essa atividade é efetuada”. Diante de um entendimento errado da súmula ao longo dos anos, os processos nesse sentido foram se avolumando.
Decisões recentes do STF, como o tema 725 e a ADPF 324, consolidaram a possibilidade de terceirização em qualquer atividade, desde que atendidos os requisitos de autonomia e de ausência de subordinação, gerando uma série de novas reclamações na Corte por parte das mais diversas categorias, como profissionais da beleza, engenheiros, médicos, advogados, motoristas de aplicativo etc.
Perfil do STF muda com a explosão de ações originárias
Tradicionalmente, o Supremo sempre lidou, predominantemente, com recursos extraordinários e agravos de instrumento, processos que chegam ao tribunal após percorrerem todas as instâncias anteriores. Essa lógica fez parte do cotidiano do STF por décadas, inclusive durante o que foi chamado de “crise do Supremo” nos anos 1960, quando a Corte já se encarregava de grande volume de recursos, considerados hoje irrisórios frente aos números atuais.
A dinâmica mudou radicalmente a partir do crescente número de reclamações encaminhadas diretamente ao Supremo como processos originários. Esse tipo de ação, que começa e termina no próprio STF, já representa quase um terço do total recebido pela Corte em 2024, refletindo um salto impressionante em relação ao início dos anos 2000 — de até 500 reclamações por ano para mais de 20 mil até meados de 2025 (de temas de todos os âmbitos), com expectativa de chegar a 40 mil ainda neste ano.
Com isso, o perfil do STF é cada vez mais marcado por uma demanda originária, que altera a rotina e impõe novos desafios à alta cúpula do Judiciário nacional. “O Supremo tem experimentado, talvez, a transformação mais importante de toda a sua história”, analisou o integrante do conselho da FecomercioSP.
Por isso, o ministro Gilmar Mendes decidiu, há algumas semanas, suspender nacionalmente todos os processos que discutem a validade de contratos civis em casos de possível pejotização. A medida visa conter o número explosivo de ações e unificar o entendimento jurídico sobre o tema, evitando decisões conflitantes e permitindo ao Supremo analisar com mais profundidade a questão da distinção entre vínculos civis e trabalhistas.
“O Supremo passou a ter um volume significativo de reclamações [em torno da pejotização e da terceirização] a ponto de não dar mais conta do processamento dessas ações”, explicou Mallet. A suspensão terá impacto direto sobre os tribunais trabalhistas de todo o País, que já encaram filas de centenas de milhares de processos pendentes.
Mallet também enfatizou que a discussão sobre pejotização não deve levar a uma reversão nas decisões sobre a terceirização de atividades-fim, mas os impasses de harmonizar jurisprudências e garantir segurança jurídica para empresas e trabalhadores permanecem em aberto.
Gratuidade da Justiça como entrave
O professor reforçou que a situação de pressão em virtude da quantidade de processos é similar em outras cortes. “Hoje, temos casos como os do TST, com mais de 600 mil processos aguardando julgamento, e turmas avaliando mais de 500 processos em um único dia”, exemplificou.
No ano passado, o TST analisou cerca de 514 mil processos, um aumento de 57% em comparação com o volume registrado cinco anos antes. No mesmo intervalo, o total de casos recebidos pelo TST subiu 19%. Só no último ano, o tribunal foi acionado por mais de 570 mil novos processos e recursos internos. O reflexo desse crescimento é sentido diretamente na rotina dos magistrados: cada ministro ou ministra foi responsável, em média, pelo exame de quase 20 mil processos ao longo do ano.
Quanto à pejotização, em 2024, a Justiça do Trabalho registrou 285 mil ações com pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício. O número representa um aumento de 57% em relação a 2023, segundo dados do TST divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo. A tendência de alta se manteve em 2025 — até fevereiro, já haviam sido ajuizados 53,7 mil novos processos sobre o tema, que passou a figurar como o 16º assunto mais recorrente na Justiça do Trabalho.
Segundo José Pastore, presidente do conselho, o volume é tão grande que é muito difícil imaginar que os julgamentos trabalhistas sejam feitos com aprofundamento e atenção às particularidades de cada caso. “Falta no País uma análise econômica do Direito para percebermos que, se o processo for completamente gratuito, vira um balcão de oportunidades: as pessoas sempre vão tentar, pois não têm nada a perder se o resultado for desfavorável. Mas, na verdade, o processo nunca é realmente gratuito — quem paga é a sociedade inteira, de maneira indireta, e isso tem um custo enorme para todos”, concluiu.