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Economia

Inovação a partir de quem usa

“É do usuário que novas indústrias surgem”, afirma Eric von Hippel, pesquisador no MIT

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Inovação a partir de quem usa
O ecossistema de inovação é amplo e o cliente deveria ser o protagonista (Crédito: Problemas Brasileiros)

O ecossistema da inovação é amplo e, muitas vezes, quem deveria ser protagonista passa a coadjuvante — o cliente. Eric von Hippel, pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), há muito tempo fala sobre como as empresas podem (e devem) aproveitar a inovação que vem dos consumidores, a chamada open user innovation, ou inovação aberta de usuário, em português.

Áreas como games e esportes radicais já incorporam ideias de usuários — skates que estão agora nas lojas provavelmente contam com criações dos chamados hard users. Essa inovação aberta é também uma prática comum na produção de equipamentos médicos e, em especial, no desenvolvimento de softwares, área com comunidades bem organizadas que contribuem com soluções.

O que Hippel defende é que companhias de todos os setores redesenhem seus processos de inovação para, sistematicamente, prospectar e pôr em prática propostas de seus clientes. Afinal, é o usuário final quem lida com as soluções, mas também com as limitações — dos produtos, com a possibilidade de inovar com mais liberdade que as empresas. “As pessoas põem bolas de tênis nos pés dos andadores para não arranhar o piso da casa. Muitos consumidores modificam seus carros, com faróis diferentes, por exemplo. Para a montadora, haveria toda uma série de regulações e questões de adequação da linha de montagem”, explica.

Hippel esteve em Lisboa, em julho, para uma conferência sobre open user innovation na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), quando concedeu entrevista à Revista Problemas Brasileiros (PB). Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.

No Brasil, quase não se ouve falar de inovação do usuário. É um problema? Deveríamos olhar para isso?

O Brasil deveria se importar com essa questão, porque é como as novas indústrias surgem atualmente. Inovação do usuário significa que aqueles que usam os produtos e serviços para propósitos pessoais inventam abordagens inteiramente novas. Por exemplo, um médico, ou médica, pensa em uma solução para um problema que vive e, primeiro, testa no hospital. O próximo passo, após ter sido provado que funciona, é que empresas produzam o equipamento imaginado.

Portanto, é ruim que a indústria da saúde não ouça os médicos, certo?!

Muito. Se você perder o contato com quem está no fim da cadeia, perdem-se oportunidades de produção e comercialização. O objetivo final não é fazer um equipamento, mas melhorar a saúde dos pacientes — e isso só é possível com a interação com quem vai usar a máquina, aplicar certas técnicas.

Há setores ou atividades que são mais inclinados a inovações vindas dos usuários, como a área de Tecnologia?

A inovação do usuário é possível em tudo o que os consumidores precisam, porque o que as empresas fazem hoje é tentar aperfeiçoar produtos e serviços que já existem. Por exemplo, a Embraer aprimora os aviões; seus engenheiros não inventaram os aviões em si. Da mesma forma, companhias farmacêuticas vão produzindo novas versões dos remédios, promovendo melhorias, e não necessariamente algo completamente novo. O aprimoramento é possível sempre com base na experiência real de uso.

Metodologia da mesa de chá (ou de café)

David Li, diretor-executivo do Shenzhen Open Innovation Lab, também participou do evento na Nova SBE. Segundo ele, conversas informais, enquanto se toma chá, são uma das bases para as inovações de Shenzhen, a megacidade chinesa conhecida pela produção de iPhones. “Em todas as empresas e lojas, de qualquer porte, há sempre uma mesa de chá com seis lugares”, conta. Além do espaço convidativo, a diversidade das pessoas que se sentam à mesa é um ponto essencial. Para que as conversas produzam de fato inovação, é fundamental estarem à mesa o empresário, um fornecedor, um designer e um cliente. É da troca de informações e experiências, com liberdade para expressar necessidades e capacidades, que nascem novos projetos, defende Li. Aqui, no Brasil, vale o cafezinho.

 

O Brasil é um país muito desigual. Será que isso barra possibilidades de inovação de usuário?

É preciso pensar sobre onde se está no Brasil e qual é a necessidade mais específica nessa região e na área de atuação da empresa. Só assim é possível sair à frente dos outros. Se pensar nas favelas, que são sociedades com características próprias e já existem há muito tempo, as pessoas que moram nesses locais encontraram formas de construir casas muito baratas, mesmo que fora dos critérios de segurança — isso é inovação de usuário, porque não é uma construtora que está erguendo as casas. Mas uma construtora pode olhar para as soluções e, talvez, comercializar algumas delas.

Para que isso aconteça, é preciso também uma mudança de mentalidade? Porque, provavelmente, um engenheiro acredita que saiba mais sobre construção do que as pessoas que moram na favela...

Sim, mas é verdade também que os usuários vão inovar independentemente do que os engenheiros pensem ou façam. Portanto, é importante que as companhias organizem-se em torno não só das necessidades dos usuários, mas também das soluções que eles encontram. Essa é uma transição pela qual as indústrias de todo o mundo estão passando. Elas estão sendo forçadas a isso, porque os usuários simplesmente fazem e não se importam se o engenheiro disser que não está de acordo. Se a empresa não fizer, tudo bem, mas é ela que, no fim, vai falir.

Qual seria o primeiro passo para um empresário que gostaria de incorporar inovações de usuários em seus produtos?

Ele ou ela deveria se conectar com as comunidades de usuários da sua área de interesse. Se for de produtos de saúde, por exemplo, os usuários podem ser os médicos. Se for na construção, são pessoas que vivem nas favelas. Dentre os usuários, há alguns mais avançados que outros. É necessário procurar os mais avançados. Não é o médico comum, que só faz o básico, mas o médico com os melhores resultados. Se quiser descobrir como construir casas baratas, terá de procurar os que estão obtendo sucesso com isso, que fizeram casas onde gostam de morar.

O que o senhor recomenda, então, é encontrar os usuários certos?

Isso. Costumo chamar de usuários líderes. É com eles que é preciso se conectar.

Já faz tempo que o senhor fala de inovação de usuário. Sente que agora é um movimento que ganha força?

Faz várias décadas que me dedico a estudar o assunto e fico feliz que, finalmente, há mais pessoas discutindo o tema. É uma comunidade que tem crescido, porque o mundo pede mais inovações.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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