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Economia

Nova lei do comércio exterior avança com pouco espaço para o diálogo

Debate aponta lacunas, baixa participação do setor privado e risco de projeto não promover abertura comercial

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Nova lei do comércio exterior avança com pouco espaço para o diálogo

O Projeto de Lei (PL) 4.423/2024, que pretende modernizar as regras do comércio exterior brasileiro, avança com um olhar muito atento do setor produtivo devido aos contornos limitados do texto e sua real capacidade de desburocratização. O receio é que, na prática, o País pouco avance em desamarrar a legislação aduaneira aos desafios atuais do setor.

Na visão de Augusto Oliveira da Silva Neto, advogado, consultor aduaneiro e ex-auditor fiscal da Receita Federal, até o momento, o Brasil perde uma oportunidade de ouro de reformular a falta de sistematização que existe no comércio exterior. 

“O texto demonstra uma preocupação exagerada com o controle regulatório, traz poucas ou nenhuma medida concreta para facilitar o comércio, praticamente não promove alterações legais relevantes, repete normas já previstas em tratados internacionais, delega em excesso atribuições ao Poder Executivo e realiza apenas uma revogação parcial de leis antigas e desatualizadas”, declarou. “É visivelmente um projeto cunhado pelo Estado. Os interessados, como os importadores, exportadores e os órgãos representantes da classe, ainda não foram ouvidos devidamente no processo legislativo.”

O advogado participou da reunião de setembro do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), dedicada a debater a participação do setor produtivo na construção de uma legislação aduaneira equilibrada. O debate também contou com a presença de Leonardo Branco, advogado tributarista e aduaneiro e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A ausência do setor produtivo no debate também é preocupante para Branco. “Preferimos fazer o projeto a portas fechadas. São pessoas maravilhosas que o fizeram, mas não houve nenhum representante da iniciativa privada para discutir o texto inicial. A primeira minuta é muito importante, porque depois, para alterar, o proponente da mudança tem o ônus de justificar. Ela foi estruturada por pessoas já muito acostumadas à lógica e à visão da administração pública.” 

Oportunidade perdida

Para Silva Neto, a proposta beneficia excessivamente o Estado e deixa de contemplar as necessidades dos operadores privados. Os dispositivos do livro 1 do PL, por exemplo, limitam-se a repetir definições e compromissos já existentes em tratados internacionais, sem impacto prático imediato. Já o livro 2, focado em controle aduaneiro, dedica-se majoritariamente a procedimentos públicos, deixando de lado propostas concretas de facilitação para importadores e exportadores.

Mesmo onde há avanços, como na ampliação do capítulo dedicado aos regimes aduaneiros (livro 3), há desequilíbrios e omissões, principalmente tendo em vista que o texto ignora o setor de feiras e eventos, algo que havia sido inicialmente previsto. Isso é um grande alerta de potencial reforço ao cenário de insegurança e dispersão normativa já enfrentado pelo setor, o especialista salientou. “Não há em nenhum ponto os deveres da administração aduaneira ou que estabeleçam as suas infrações severas; mas há os deveres da outra ponta que afetam com uma carga regulatória ainda mais densa aos contribuintes.”

“O PL delega ao Estado tudo aquilo que não está especificado na própria lei, criando normas programáticas e deixando a regulamentação a cargo de atos administrativos. Na minha visão, um tema complexo como o comércio exterior não pode estar inteiramente em uma única lei, mas também não deveria deixar lacunas significativas e se apoiar apenas em atos administrativos”, Silva Neto declarou. “Nós não podemos mais ter o nosso comércio exterior como temos hoje: em um ambiente com centenas ou milhares de normas e instruções normativas, portarias e atos declaratórios, que acabam gerando uma série de obrigações para todos os elos participantes da cadeia comercial aduaneira.”

Reforma Tributária esquecida

Branco, por sua vez, alertou que o PL deixa de abordar temas fundamentais, como o processo aduaneiro e a definição das infrações específicas, pontos de grande preocupação entre os operadores. Outra lacuna importante, de acordo com o especialista, é a inexistência de regras claras de transição e de comunicação com as normas da Reforma Tributária e no contexto da Lei Complementar 214/2025 – que iniciou o processo de regulamentação do texto reformista, e institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). 

Além disso, ele acredita que se perdeu uma oportunidade, ao não se incluir no projeto, um dispositivo para eliminar alguns debates inócuos que ocorrem hoje no CARF sobre a aplicabilidade de convenções reconhecidas mundialmente. “Hoje, em 2025, estamos debatendo se aplicamos ou não tratado internacional, algo já respaldado pela Constituição Federal, pelo Código Tributário Nacional (CTN) e por diversas decisões do Supremo Tribunal Federal”, criticou, durante o encontro na FecomercioSP. 

O que deve melhorar em comparação ao regramento atual 

Apesar disso, Branco reconheceu avanços importantes no projeto. O especialista apontou que o texto que originará uma Lei Geral do Comércio Exterior também se dedica à organização dos regimes aduaneiros, agrupando o regime comum, os regimes especiais e aqueles aplicados a áreas especiais. Desse modo, quatro tipos principais de regimes especiais serão estabelecidos: de aperfeiçoamento, de permanência temporária, de depósito aduaneiro e de trânsito aduaneiro, trazendo mais clareza à estrutura normativa do setor.

Outros avanços são a inclusão de conceitos inéditos, a digitalização de documentos e a divulgação de informações em inglês visando à integração internacional, além da menção a pagamentos eletrônicos e soluções antecipadas. Destacou ainda as medidas de transparência, a regulamentação de depósito temporário, o controle pós-liberatório e o esforço para harmonizar o vocabulário brasileiro com padrões internacionais, promovendo mais alinhamento entre as práticas nacionais e globais.

“Hoje, o Brasil não possui um conceito jurídico único para importação, o que gera debates e incertezas. Ao adotar [apenas] glossários inspirados em tratados internacionais, delegamos ao Poder Executivo a definição desses termos jurídicos, o que pode ser tanto positivo quanto problemático”, acrescentou.

Para ele, entre os avanços mais relevantes estão as emendas que preveem cooperação entre órgãos públicos – o que pode resultar em uma “faxina regulatória” –, estímulo à conformidade voluntária, mais digitalização, e medidas de facilitação e redução do custo de conformidade que podem beneficiar as pequenas e médias empresas, democratizando o acesso ao comércio exterior. 

“Atualmente, os benefícios do despacho aduaneiro mais ágil, a redução de canais de conferência aduaneira mais gravosos, prioridade no despacho, exigência documental menor e até reconhecimento mútuo internacional acabam restritos às grandes empresas, devido ao alto custo de compliance do programa OEA. O PL, porém, propõe um novo paradigma ao criar certificações específicas para pequenas e médias empresas em setores como alimentos, farmacêuticos e agroexportadores, desde que atendam a requisitos básicos de regularidade. Isso amplia significativamente o acesso à facilitação do comércio para um universo muito maior de operadores”, Branco salientou.

Para os especialistas, a partir de agora, há oportunidade de se estabelecer um comitê para pensar em um processo unificado aduaneiro e nas infrações aduaneiras, inclusive resguardando a ampla defesa e o contraditório, de uma maneira que elas façam sentido no mundo de hoje. 

Assim como a FecomercioSP, ambos acreditam que é fundamental que o debate sobre o texto se debruce sobre os principais desafios do setor, que passam pela necessidade de modernizar as leis aduaneiras, reduzir a burocracia excessiva, simplificar os procedimentos e garantir um ambiente mais competitivo, previsível e seguro para o comércio exterior. Todos esses avanços, segundo eles, dependem essencialmente da verdadeira facilitação do comércio, princípio que deveria nortear a legislação. 

“Uma lei deve ser construída com equilíbrio e harmonia, levando em consideração os interesses de todas as partes envolvidas. Não pode favorecer apenas o Estado ou um grupo específico, mas sim trazer consigo novas oportunidades para o crescimento e desenvolvimento do comércio exterior pelo País”, concluiu Rubens Medrano, presidente do Conselho de Relações Internacionais da FecomercioSP.

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