Economia
30/04/2025Politização do Judiciário preocupa e abre espaço para obstruções institucionais
Em reunião na FecomercioSP, juristas e autoridades defendem o resgate da harmonia entre os poderes e a importância do diálogo institucional para preservar a estabilidade democrática

Quando o Poder Judiciário é visto pela sociedade não como um árbitro imparcial das leis, mas como um órgão político, a sua credibilidade é abalada e a sua capacidade de garantir justiça de forma neutra e transparente fica comprometida. “Diante disso, aumentam os riscos de descrédito público, de enfraquecimento da autoridade institucional e de resistência ao cumprimento de decisões judiciais — comprometendo até mesmo a confiança social na imparcialidade, essencial ao pleno funcionamento da Justiça”, nas palavras de Ives Gandra Martins, jurista e presidente do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
“É fundamental que a imagem do Judiciário recupere o rigor e a credibilidade frente à sociedade. Essa percepção está mobilizando um número crescente de cidadãos e lideranças políticas”, complementou, durante a reunião plenária com as diretorias da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), realizada na última terça-feira (29).
O secretário de Estado da Justiça e Cidadania de São Paulo, Fábio Prieto de Souza, que compartilha da visão de Gandra Martins, alertou que as consequências desse cenário podem ser bastante prejudiciais ao País. “Como muito tem se dito, o Supremo Tribunal Federal (STF) se comporta como um órgão político, e isso me preocupa. Quando o Supremo se arvora [em uma mudança de postura institucional], a qualquer momento pode surgir quem faça obstrução, como ocorre legitimamente na política. Já tivemos alguns episódios: o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já descumpriu uma ordem de um ministro do Supremo; e tivemos o caso de parlamentares que não cumpriram ordens. É um caminho muito perigoso”, alertou.
Souza destacou a importância do diálogo institucional como um dos caminhos mais relevantes para reequilibrar as relações entre os poderes. “Eu vejo uma postura — não é a única, mas acho que é uma saída muito interessante — de boas relações das lideranças políticas com o Supremo, mediante o diálogo com os ministros, para manter uma pauta do que é realmente importante. Queremos que o Supremo volte a funcionar como antes. As pessoas que estão lá estão qualificadas para isso. Agora, tem de seguir o receituário que havia antes.”
Ele ressaltou que o problema da atuação judicial também se manifesta em outras instâncias do Judiciário, com impacto direto sobre o setor produtivo. “Hoje, o empresariado é condenado, nas justiças Civil e Trabalhista, a pesadas multas de dano moral coletivo — e esses valores só aumentam. Às vezes, paga-se uma indenização a um empregado de R$ 50 mil e, além disso, o juiz impõe um dano moral coletivo de R$ 100 mil. Recentemente, o CNJ aprovou uma norma permitindo que o juiz destine esse valor a uma entidade privada ou ONG. Essa medida é gravíssima”, afirmou.
O efeito da insegurança jurídica no campo trabalhista, em decorrência do voluntarismo em diversas instâncias da Justiça, também foi apontado por Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP. “O Judiciário passa por um momento de instabilidade, evidenciado pela falta de clareza de decisões judiciais baseadas em interpretações subjetivas. Esses fatores estão entre os principais obstáculos aos investimentos e à geração de empregos de qualidade no Brasil. Essa insegurança jurídica decorre de decisões que divergem ou até mesmo contradizem a legislação vigente, resultando em custos financeiros que superam os potenciais benefícios sociais”, sinalizou. Este foi tema de um estudo exclusivo do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da Federação. Acesse aqui!






O respeito social é fundamental ao guardião da Constituição
Para o ex-ministro da Justiça e relator da Constituição Federal de 1988, José Bernardo Cabral, há anos são recorrentes as críticas ao STF, especialmente quanto ao excesso de decisões monocráticas em questões sensíveis. Segundo ele, o descontentamento popular com a atuação da Corte é perceptível e se reflete em episódios de hostilidade contra os ministros, indicando um distanciamento das expectativas.
“Há anos critica-se o que se via como exagero na Corte, com alguns ministros se excedendo em medidas excepcionais e monocráticas, sem ouvir os demais ministros em assuntos sérios. Hoje, o que mais se vê é que o povo está, sem dúvida alguma, desgostando do Supremo. É difícil que um daqueles juízes saia à rua sem que seja molestado”, frisou. Por outro lado, Cabral alertou que há, na sociedade, aqueles que deixam de ser defensores da Constituição e “enveredam-se por caminhos que talvez não sejam os melhores”, inclusive pedindo o fechamento da Corte. “Como guardião da Constituição, o Supremo deve ser respeitado e admirado, e não enxovalhado, como infelizmente temos visto em nossas ruas”, lamentou.
Na reunião, o ex-presidente Michel Temer destacou que a harmonia entre os poderes é uma determinação clara da Constituição, concebida pelo povo para garantir que cada órgão do poder atue em nome da sociedade de forma equilibrada. Ademais, ele ponderou que o que ocorreu com o STF foi o enorme alargamento de suas competências, pois a Constituição brasileira trouxe para o próprio texto temas que, antes, pertenciam à legislação ordinária ou complementar.
“Assim, todas essas matérias passaram a ser de natureza estrutural, levando as questões para a Corte. Nas constituições anteriores, havia apenas a ação direta de declaração de inconstitucionalidade. Contudo, agora, somam-se a esta a ação direta de constitucionalidade, a arguição por descumprimento de preceito fundamental e o controle de inconstitucionalidade por omissão”, ressaltou Temer. “Por isso, muitas vezes critica-se o Supremo por exercer múltiplas tarefas. Mas a culpa não é do Supremo. A responsabilidade, na verdade, é da própria Constituição, que ampliou consideravelmente o alcance das competências do tribunal”, concluiu.