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Economia

Produtividade: uma equação complexa

O número de brasileiros que concluíram o ensino superior quase triplicou; veja o panorama da Revista Problemas Brasileiros

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Produtividade: uma equação complexa
Nos últimos 40 anos, a taxa média de expansão da produtividade do trabalhador brasileiro foi de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do mundo (Crédito: Problemas Brasileiros

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2000, 6,8% das pessoas com 25 anos ou mais tinham concluído o ensino superior. A fatia subiu para 11,3%, em 2010, e para 18,4%, em 2022. E, mesmo na base, os indicadores são positivos: o porcentual de pessoas sem ensino fundamental completo caiu de 63,2%, em 2000, para 49,3%, em 2010, e 35,2%, em 2022.

Os números da produtividade, contudo, continuam estagnados: nos últimos 40 anos, a taxa média de expansão da produtividade do trabalhador brasileiro foi de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do mundo, segundo estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). Essa estagnação acontece porque, apesar de essencial para melhorar a produtividade em qualquer lugar do mundo, só a educação não basta. Há uma longa cadeia de fatores entrelaçados que influenciam o indicador e, quando o elo mais fraco arrebenta, ninguém consegue puxar o País para cima. 
“O indicador chama ‘produtividade por trabalhador’, parece que o trabalhador é o responsável. Mas, na verdade, é um número difícil de apurar, porque é o PIB [Produto Interno Bruto] dividido pelo número de trabalhadores”, explica Paulo Feldmann, professor na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Portanto, inúmeros fatores entram nessa conta, ao influenciar o desempenho do PIB e o do trabalhador. “Digamos que fosse possível transportar mil brasileiros da construção civil, que conseguem levantar um prédio de cinco andares em um ano, para a Coreia do Sul. Lá, eles levariam em torno de quatro meses para construir um prédio igual”, compara Feldmann. Isso porque a tecnologia tem uma influência enorme sobre a produtividade. No país asiático, há muito mais tecnologia aplicada em vários setores produtivos, como a Construção Civil. Também porque o transporte é melhor — o material necessário chega mais rápido aonde é necessário — e a rede de energia é confiável.

Infraestrutura do atraso

Nesse sentido, a logística é um peso sobre a produtividade brasileira. “Quem produz precisa lidar com um transporte caro e ruim, porque, no Brasil, são usados caminhões em vez de trens e, em quase qualquer país do mundo, o deslocamento de cargas é feito por via férrea. Para conseguir melhorar a eficiência e escoar os minérios, a Vale investiu em ferrovias próprias”, exemplifica o professor.

A energia também tem grande influência. E por, aqui, ela é cara e pouco confiável. Apesar de a matriz elétrica ser majoritariamente hidráulica — que, além de limpa, é, em teoria, mais barata —, as redes de distribuição deixam a desejar e o custo final é alto, sobretudo por causa dos impostos. No âmbito federal, incidem o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), enquanto no nível estadual é cobrado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Para a Indústria, a tributação sobre a energia ronda os 30%. Mesmo com o alto valor pago por quilowatt, as quebras de fornecimento continuam sendo um problema para o setor produtivo. “Há regiões em que o Comércio e os Serviços precisam ter gerador, pois falta luz com muita frequência. Isso atrapalha demais”, destaca Feldmann. Soma-se aos problemas de infraestrutura o baixo uso de tecnologias, que, segundo o professor, é “muitíssimo importante” para a produtividade. Além da falta de investimento local, é difícil importá-la. “É um setor que não deveria ser taxado, mas, ao contrário, é altamente tarifado. Se uma tecnologia custa US$ 100, chega ao Brasil por US$ 220”, critica.

O Brasil amarga a 50ª posição do Índice Global de Inovação (IGI) 2024, um ranking de 133 países elaborado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), considerado o principal indicador de inovação do mundo. O Brasil caiu uma posição em relação ao ano anterior. Os dez primeiros colocados são Suíça, Suécia, Estados Unidos, Singapura, Reino Unido, Coreia do Sul, Finlândia, Holanda, Alemanha e Dinamarca.

Qualificação que patina

Por fim, a baixa qualificação do trabalhador interfere na produtividade brasileira. E é nessa ponta que a ligação com a educação se dá. “Se aquele mesmo prédio fosse construído por trabalhadores coreanos, ele seria concluído ainda mais rápido porque eles receberam uma educação melhor e tornaram-se mais produtivos”, pondera o professor Feldmann.

Mesmo ao isolar a educação na equação, trata-se de um cálculo complexo. Os trabalhadores precisam dominar certas técnicas, mas também estarem preparados para aprender novos métodos e desenvolver aptidões. “Dominar as habilidades específicas de um trabalho é fundamental para a produtividade. Se for um tratorista, precisará dominar bem a máquina, por exemplo. Além disso, o trabalho moderno exige capacidade de pensar. O importante não é só ter informações, mas saber usá-las”, explica José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). E, então, afirma Pastore, começam a surgir o problema da escola. “Tivemos uma melhoria no número de anos frequentados, mas isso não se reflete em aumento da capacidade da escola de fazer as crianças pensarem melhor. Temos um grupo grande de instituições de ensino de baixa qualidade, que não desenvolvem a capacidade de pensar”, enfatiza.

Os progressos educacionais, em termos gerais, são evidentes. Alguns números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), sobre Educação, demonstram o fenômeno. Entre as crianças de 6 a 14 anos de idade, 99,5% estão na escola. Em 2024, a média de anos de estudo de quem tem 25 anos ou mais chegou a 10,1 anos, a mais alta da série histórica. Contudo, o analfabetismo funcional atinge 29% das pessoas de 15 a 64 anos, de acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2025. São pessoas que têm algum nível de aprendizagem formal, mas são incapazes de fazer uso da leitura e da escrita em contextos da vida cotidiana. Mesmo depois de frequentar a escola por nove anos, a alfabetização não é garantida: 38% dos que chegaram ao ensino médio não estavam funcionalmente alfabetizados.

Escola desigual

Os números da Educação são parte de algo maior — a desigualdade social. Dentre os jovens brasileiros de 15 a 29 anos, 8,7 milhões estavam fora da escola e ainda não haviam completado o ensino médio em 2024. O número é alto, mas menor do que antes (eram 11,4 milhões em 2019). Só que, nesse contingente menos escolarizado, há uma diferença importante: 26,5% são brancos e 72,5% são negros. “Estamos no caminho certo, mas de forma lenta. E as disparidades no acesso e na qualidade ainda são altas”, afirma Tássia Cruz, professora na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape).

No recorte racial, é comum que os negros estejam em escolas mais periféricas, com menos recursos e menor qualidade. Mas, segundo estudos realizados por Tássia, mesmo dentro da mesma escola há diferenças. “Não é fácil mensurar, mas há diferenças no tempo de atenção que o professor dá para cada criança, ou no acolhimento, na forma de tratar. Isso faz com que crianças que já venham de ambientes menos escolarizados sintam-se menos pertencentes à escola”, detalha. Na sua experiência, é comum que as crianças sejam desde muito novas colocadas em caixinhas. “Professores dizem coisas como ‘Essa criança, vinda dessa família, nunca vai aprender’. Nem os educadores acreditam nelas”, relata. Há, ainda, estereótipos quanto ao aprendizado de disciplinas exatas, que afastam as meninas de determinadas carreiras. O ensino de qualidade chega a poucos.

Entretanto, existem setores que parecem ilhas de eficiência, ao agregar qualificação ao crescimento. “Os destaques positivos se dão na Aeronáutica, na produção de vacinas, na Siderurgia e no setor bancário. E, claro, no Agronegócio, que há décadas vem ganhando 3% de produtividade anual”, aponta Pastore. A virada no setor começou na década de 1970, com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o desafio de aumentar e diversificar a produção do campo. “Na época, o País não cultivava o suficiente para alimentar a população. A proposta era que o Brasil treinasse mil pesquisadores, nas melhores universidades do mundo, para gerar conhecimento e melhorar as tecnologias de produção. E, 50 anos depois, o resultado está aqui”, comemora Pastore, que coordenou o grupo de estudos que criou a Embrapa.

Com pesquisadores bem formados, capazes de pensar os problemas em território nacional, o Agro passou a adotar novas tecnologias de forma massiva e a qualificação do trabalhador tornou-se indispensável em todos os níveis. “Os empresários foram obrigados a racionalizar a administração, pois a tecnologia impõe rigor. Se você possui uma colheitadeira de R$ 8 milhões, precisa de uma boa gestão”, ressalta Pastore.

Um déficit que puxa o outro

Assim como é verdade que a educação influencia a economia, não se pode ignorar que a própria economia pesa sobre os resultados da educação. Uma economia que cresce pouco tem menos recursos para investir, e o baixo crescimento acaba por limitar oportunidades também para aqueles que puderam estudar. “Quando um país cresce, cria empregos mais produtivos, que absorvem os mais qualificados. Desde os anos 1980, o Brasil não cria tantas oportunidades e nem sempre as pessoas estão empregadas naquilo em que seriam mais produtivas”, observa o economista Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP e professor na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC). Há desperdício de potencial produtivo quando, no seu trabalho,   um profissional não aplica o que aprendeu. “Não é lógico que uma pessoa que estudou por anos dirija um Uber. Não é uma questão de juízo de valor, mas um capital humano mal aproveitado”, opina.

A falta de perspectiva também afeta a motivação das pessoas, criando um ciclo perverso de formação deficitária e empregos de baixa qualidade. “As vagas no ensino superior aumentaram muito, mas os estudantes chegam com enormes limitações de conhecimentos do ensino básico. Muitos estão lá pelo canudo, mas sem ter preocupação real com o aprendizado”, pontua Lanzana.

O excesso de graduações não presenciais é um reflexo desse panorama. Em 2023, segundo o Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, 49,2% das matrículas eram na modalidade Ensino a Distância (EaD). Dentre os ingressantes em cursos de licenciatura, esse modo de estudar chega a 81%. O EaD permite que sejam cobradas mensalidades baixas — a média em 2024 foi de R$ 210, segundo a consultoria Hoper —, pois muitos cursos fundamentam-se em aulas gravadas, com pouca interação entre alunos e docentes. O resultado, porém, é uma educação mais frágil: no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2022, que avalia cursos superiores, apenas 18% dos cursos em EaD alcançaram os conceitos mais altos, com notas 4 e 5. Entre os presenciais, a taxa foi de 27%.

Na outra ponta, a da excelência, o baixo crescimento econômico leva o Brasil a perder os melhores profissionais para o exterior. “Acontece de se investir muito e vir alguém, depois, ‘roubar’ nossos especialistas em áreas muito requisitadas globalmente. Se o Brasil tivesse crescido, esses profissionais poderiam ser remunerados competitivamente por nossas empresas”, avalia Lanzana.

Da academia para a economia real

Embora possa haver casos de desencanto com o resultado de anos de estudo, quem consegue terminar uma pós-graduação stricto sensu ainda tem vantagem no mercado de trabalho. O estudo Brasil: Mestres e Doutores 2024, realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostra que os empregos para essa elite é resiliente a crises econômicas. Em anos em que houve queda do PIB, como 2015, 2016 e 2020, o emprego para profissionais com pós-graduação manteve-se em expansão, na contramão da média do mercado. Um dos motivos é a concentração de empregos em cargos públicos, sobretudo na academia, avalia Sofia Daher, coordenadora do estudo. Contudo, o peso relativo do emprego em universidades tem caído, após um período de expansão de vagas e de instituições de ensino, graças ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Com o seu fim, em 2012, os concursos rarearam. “Era natural que fossem contratados por causa da expansão, mas, agora, começamos a ter outras inserções para além da vida acadêmica. É importante que esses profissionais participem da busca por inovação. O que acontece em outros países e falta no Brasil são mecanismos de estímulo para desenvolver áreas como a de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) dentro das empresas, e uma mudança cultural”, defende Sofia.

Assim como a graduação, o sistema brasileiro de pós-graduação tem crescido consistentemente. Entre 2001 e 2021, o número de doutores cresceu 271% e o de mestres, 210%, segundo dados do CGEE. São 9,1 mestres e 4,4 doutores para cada grupo de mil pessoas com emprego formal. Apesar da alta, ainda estamos muito atrás de outras nações — países da União Europeia têm em média 180,7 mestres e 12,9 doutores por mil empregados.

Sem conseguir alcançar rapidamente patamares tão altos, o crescimento precisa continuar de forma estratégica, tanto em termos regionais como em campos do conhecimento, defende Francisco Thiago Silva, professor na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB). Outra questão cultural importante é quebrar o academicismo. “Nossas universidades vêm de uma tradição francesa, mais encastelada. Precisamos conversar mais com a sociedade, com as empresas, fazer parcerias. Isso, é claro, não significa simplesmente obedecer e servir ao mercado, mas, sim, trabalhar junto”, diz. Entretanto, nada vai funcionar se não houver incentivo para que os pós-graduados ponham seus conhecimentos em prática. “Se você me perguntar se a gente precisa de mais mestres e doutores em Educação, eu diria que não. Mas, com certeza, precisamos deles alfabetizando as crianças nas escolas”, assegura.

A falta de conexão entre academia e setor produtivo acaba sendo um entrave para que a melhoria da Educação repercuta em desenvolvimentos social e econômico. “Durante a pandemia, ficamos reféns de importar respiradores, pelo preço que os países exportadores determinaram. Existem vários projetos desses aparelhos nas universidades brasileiras, mas não há quem os produza. É uma questão além da formação das pessoas: falta uma conexão com a Indústria”, indica Denise Pires de Carvalho, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “A Embraer, uma empresa que muito orgulha o Brasil, é forte graças à sua ligação com o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica]”, exemplifica.

Diante de todo esse quadro, o tipo de formação também precisa mudar, com trans e interdisciplinaridade em todas as etapas. “As demandas da sociedade vêm dos problemas. Escuto muito que o Brasil precisa de mais engenheiros, e, sim, precisa, mas desde que sejam engenheiros que saibam resolver os problemas. Qual é o perfil desse engenheiro? Temos Engenharia do Petróleo, mas será que o engenheiro do petróleo resolve o problema da transição energética?”, questiona Denise.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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