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02/06/2025Turismo internacional bate recorde no Brasil, mas especialistas alertam: crescimento é conjuntural e exige cautela
Em reunião do Conselho de Turismo da FecomercioSP, palestrantes destacam os riscos de investimentos mal-orientados e os reflexos da retomada de vistos para visitantes de países estratégicos

O Brasil ultrapassou a marca de 4,4 milhões de turistas internacionais entre janeiro e abril de 2025, atingindo um recorde histórico para o primeiro quadrimestre do ano. O dado, amplamente comemorado, foi tema da reunião do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), realizada na última quinta-feira (29). No entanto, membros do conselho alertaram que, por trás dos números positivos, há variáveis conjunturais que merecem atenção — sob risco de comprometer decisões estratégicas e investimentos no setor.
A análise foi conduzida por Mariana Aldrigui, professora de Turismo na Universidade de São Paulo (USP) e integrante do conselho, e por Guilherme Dietze, presidente do órgão de trabalho. Ambos reforçaram a necessidade de cautela ao interpretar os dados, em especial diante da ausência de metodologias transparentes e da fragilidade das pesquisas em portos e aeroportos de entrada.
Crescimento incentivado por fatores externos
O principal motor do crescimento foi a entrada de argentinos, favorecida pela desvalorização do real frente ao peso. Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro registraram aumento expressivo desse público. “Há uma presença massiva de argentinos, mas muitos vieram não necessariamente a turismo, mas para compras, troca de moeda ou visita a familiares. Se a economia argentina se estabilizar, esse fluxo tenderá a cair rapidamente”, afirmou Mariana.
Outro dado que chamou atenção foi o aumento de 1.150% nas entradas de venezuelanos, passando de 4,4 mil para 55 mil turistas no primeiro quadrimestre. Segundo Mariana, o número é questionável. “Não há evidências de grupos turísticos, eventos ou pacotes vendidos por operadoras venezuelanas. Considerando a queda de 27% na conectividade aérea entre os dois países, esse salto é, no mínimo, suspeito”, disse.
Ela ainda destacou que parte dos registros pode estar inflada. “Estamos oficiando a Polícia Federal para entender se há inconsistências nas bases. A hipótese é de que há pressão por metas simbólicas, como o recorde de 7 milhões de turistas, o que pode comprometer a confiabilidade dos dados.”
Retomada de vistos e mercados estratégicos
Outro ponto abordado por Dietze foi o impacto da retomada da exigência de vistos para turistas dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália. Dados da Embratur já indicam queda no número de visitantes: o fluxo de estadunidenses, por exemplo, caiu 4,7% em abril, mesmo com a nova regra em vigor a partir do dia 10. “A média entre os três países mostra retração de quase 6% em um único mês. Se a exigência tivesse começado no dia 1º, a queda teria sido ainda maior”, afirmou.
Com alto poder de consumo, os turistas desses países são estratégicos para o Brasil. “Desestimular esse público com burocracias é um contrassenso do ponto de vista econômico”, disse o presidente do conselho.
Dados frágeis comprometem planejamento
Mariana também criticou a falta de investimento do Ministério do Turismo em pesquisas de campo. Desde 2012, o Brasil não realiza levantamentos estruturados sobre os perfis e as motivações dos turistas. “Não podemos aceitar que o comportamento antes de 2020 seja o mesmo de hoje, não só pela pandemia, mas pelas imensas mudanças tecnológicas e comportamentais”, ressaltou.
Por isso, a projeção otimista de 8 milhões de turistas internacionais até o fim de 2025 foi recebida com ceticismo. “É preciso distinguir o que é política pública de estímulo e o que é conjuntura. Se as variáveis externas mudarem — câmbio, política migratória ou instabilidade regional —, os números tenderão a cair. E, aí, o que diremos aos empresários que investiram com base nesses dados?”, questionou Mariana. Dietze concluiu: “Celebrar recordes é válido, mas requer análise crítica. O que vemos hoje é fruto de uma conjuntura excepcional, e não de uma estratégia consolidada”.
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