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Editorial

Como produzir mais energia

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Como produzir mais energia

A produção e o uso de energia representam cerca de 10% da atividade econômica do Brasil, ou 300 bilhões de reais por ano, envolvendo principalmente gastos com eletricidade e derivados de petróleo. O setor de energia, portanto, é vital para nossa economia. O consumo per capita de energia no país, em particular de eletricidade, é próximo à média mundial, mas ainda é, aproximadamente, metade do observado em países de clima ameno da Europa, como Portugal e Espanha. Por isso, não há dúvida de que esse consumo deverá crescer nas próximas décadas para que o Brasil possa atingir um patamar de desenvolvimento comparável ao dos países europeus. De modo geral, as projeções governamentais indicam que tanto o consumo de eletricidade quanto o de petróleo dobrarão nos próximos 20 anos. Como atender a esse aumento da demanda?

Há duas maneiras de olhar para a questão: pelo lado da oferta e pelo lado do consumo. No Brasil, a ênfase tem sido dada ao aumento da oferta, o que representa um problema, uma vez que o setor enfrenta atualmente uma séria crise devido à falta de planejamento e a políticas equivocadas. Na área de eletricidade, o Brasil tem um potencial de geração hidrelétrica de cerca de 250 milhões de quilowatts, dos quais um terço já está sendo utilizado. A capacidade instalada tem crescido aproximadamente 4 milhões de quilowatts por ano. Do ponto de vista técnico, é possível dobrar o potencial utilizado. O problema é que essa expansão deverá ocorrer na região amazônica, o que gera conflitos de natureza social e ambiental.

A origem dos problemas, contudo, foi o abandono gradual, nas últimas décadas, da construção de reservatórios de água que garantissem a produção de eletricidade nas usinas hidrelétricas em anos de seca. que estão se tornando cada vez mais frequentes. E possível enumerar várias razões para isso. Uma delas é a oposição dos ambientalistas, já que grandes reservatórios inundam áreas habitadas ou cobertas de florestas, criando problemas sociais e ambientais. Isso pode ser verdade em países como a índia, com densidade populacional elevada, mas não é o caso do Brasil. Mesmo quando os impactos são significativos, como ocorre com a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, é necessário comparar os custos ambientais e sociais decorrentes dos reservatórios com os benefícios de sua instalação, os quais, em geral, são muito maiores.

A construção de uma hidrelétrica afeta, em média, a vida de 10 000 a 20 000 pessoas, que precisam ser deslocadas para outras áreas. Há também problemas ambientais decorrentes das obras c da ocupação no entorno do empreendimento. No entanto, é preciso considerar que cada milhão de quilowatts instalado numa hidrelétrica gera eletricidade suficiente para atender às necessidades de pelo menos 2 milhões de pessoas, que em geral vivem a milhares de quilômetros do local onde foi instalada a usina geradora. Há aqui um claro conflito c a necessidade de tomar decisões difíceis. Só um planejamento criterioso, que debruce sobre todos os lados do problema, pode resolver tais conflitos.

Para evitar esses problemas, desde 2004 o governo federal, por meio da Empresa de Pesquisa Energética, tem feito leilões para a construção de novas usinas geradoras com a finalidade de expandir e diversificar o sistema. Por opção política, contudo, foi adotada a regra de proporcionar a todas as formas de energia (hidrelétrica, térmica, eólica e biomassa) igualdade de condições nos leilões, com um preço máximo por quilowatt-hora, fixado pela EPE. Na prática, o resultado é que todas as fontes alternativas às hidrelétricas foram excluídas da competição devido à crise econômica global.

Para agravar o quadro, o governo federal decidiu antecipar a renovação das concessões de usinas hidrelétricas previstas para os próximos anos. A Medida Provisória nº 579, de 2013, que reduziu 20% as tarifas de energia elétrica, praticamente desorganizou o setor. Essa MP foi adotada numa época em que a falta de chuva já se fazia sentir e veio acompanhada de isenções fiscais para estimular a compra de eletrodomésticos, que elevaram o consumo. Para evitar o desabastecimento, o governo teve de acionar as usinas térmicas, que hoje representam mais de 20% da eletricidade usada, apesar de seu custo ser de quatro a cinco vezes maior do que o da energia hidrelétrica. O resultado foi a elevação das tarifas e um enorme endividamento das distribuidoras de energia.

Política equivocada

Na área do petróleo, o entusiasmo nacionalista com a descoberta de campos com grandes reservas na camada do pré-sal fez com que o governo deixasse de realizar, desde 2008, novos leilões para exploração. A expectativa do governo era que a Petrobras assumisse toda a tarefa de exploração e produção, afastando empresas internacionais que poderiam dividir com ela os riscos e os custos. Tal política se revelou equivocada, pois a Petrobras mostrou não ter capacidade de investimento suficiente para arcar com todos os recursos necessários e manter o nível de produção na bacia de Campos. Isso. combinado com os atrasos na construção de novas refinarias, levou o país a importar petróleo e derivados.

Outro problema é que o governo administra os preços de venda do diesel e da gasolina e não tem permitido que eles acompanhem o aumento do custo de petróleo importado. A justificativa para tal política é a necessidade de combater a inflação, o que levou a Petrobras a vender derivados de petróleo a preços inferiores ao que paga por eles no exterior. O resultado foi um endividamento crescente da empresa e uma queda vertiginosa do valor de suas ações. Além disso, para assegurar a operação das usinas termelétricas, a Petrobras vem adquirindo grandes quantidades de gás natural liquefeito no mercado spot, a preços mais altos do que os dos fornecimentos normais.

Uma consequência da política de preços artificiais da gasolina foi a asfixia da produção de etanol de cana-de-açúcar, uma vez que os preços de venda do produto são indexados aos da gasolina e mantêm-se constantes desde 2007. Isso é totalmente irrealista, já que os outros insumos usados na produção do álcool, como os fertilizantes, tiveram aumento de preços.

A solução para esses problemas é adotar uma política realista de preços, que acompanhe o custo do petróleo no exterior. As consequências inflacionárias desses aumentos - se forem reais - precisariam ser compensadas por outras medidas anti-inflacionárias que não levem à deterioração das contas da Petrobras e à destruição do Programa do Álcool, a maior iniciativa de energia renovável do mundo. A diversificação da matriz energética pode ser promovida por meio de leilões separados para cada fonte, com o preço máximo sendo diferenciado por suas características (eólica, biomassa, solar). Algumas fontes são mais caras do que outras, e a tarifa cobrada dos usuários resultaria da "cesta" de energias oferecidas.

Consumo mais eficiente

Quando se olha o problema energético pelo lado do consumo, é preciso lembrar que um terço da energia no Brasil é consumido em transporte, uma vez que automóveis e caminhões dominam inteiramente esse setor 110 país. Os outros dois terços são divididos igualmente entre os setores da indústria e de serviços.

Para um país ao mesmo tempo altamente urbanizado e de dimensões continentais como o Brasil, o principal problema estrutural no qual a energia tem impacto direto é o de transporte, tanto urbano como de longa distância. A adoção de um modelo predominantemente rodoviário 110 governo de Juscelino Kubitschek, na década de 50, teve como consequência o abandono progressivo das ferrovias para o transporte de cargas e a introdução tardia do metrô nos principais centros urbanos do país. A única grande ferrovia atualmente em construção 110 Brasil é a Norte-Sul. que foi iniciada há mais de 20 anos e está longe de ser concluída.

Todos os países com extensão territorial parecida com a do Brasil, como listados Unidos, China, Rússia e índia, mantiveram a opção ferroviária, apesar da expansão do tráfego rodoviário que caracterizou a segunda metade do século 20. Nos Estados Unidos, mais da metade do transporte de cargas é feita por ferrovias.

A racionalização do uso de energia poderia também desempenhar um papel importante. A eficiência dos equipamentos que utilizam energia no Brasil é, de maneira geral, inferior à de seus similares no exterior. Os automóveis consomem, aqui. mais de 1 litro de combustível para percorrer 7 ou 8 quilômetros, quando poderiam cobrir o dobro dessa distância com a idêntica quantidade de combustível. O mesmo ocorre com as geladeiras, que consomem o dobro de eletricidade em relação a modelos fabricados 110 exterior, ou com os fogões a gás e outros utensílios domésticos, que também apresentam um desempenho ineficiente.

O que se impõe aqui é introduzir novos equipamentos c modelos mais eficientes, retirando do mercado, ao longo do tempo, os menos eficientes. Isso pode ser feito por meio de normas, leis e regulamentos que gradualmente exijam padrões de desempenho melhores. Tais procedimentos foram introduzidos em 1980 11a Califórnia, hoje o estado com os melhores índices de eficiência energética dos Estados Unidos. O consumo per capita de eletricidade na Califórnia é cerca de metade da média americana.

No Brasil, a Lei nº 10.295, de 2002, permite adotar procedimentos similares aos da Califórnia, mas até hoje eles têm sido, em geral, voluntários. Há uma resistência das indústrias para que as normas se tornem mandatórias. Essa introdução deve ser gradua] e não necessita de recursos orçamentários (como é o caso da construção de hidrelétricas ou ferrovias), apenas de vontade política e decisão de colocar a lei em prática.

Por essa razão, é fundamental institucionalizar o processo de planejamento do setor de energia de forma a garantir a execução de políticas de Estado, e não de governo. Um exemplo onde isso pode ser feito é por meio do Conselho Nacional de Política Energética, criado em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Além dos ministros das pastas mais ligadas ao tema, o conselho contava com representantes não governamentais, tendo realizado, na época, importantes debates sobre a política energética do país. A esse conselho deveria estar subordinada a Empresa de Pesquisa Energética, como órgão técnico com a missão de preparar planos de longo prazo para todo o setor energético (eletricidade, petróleo, gás e energias renováveis). Lamentavelmente, no entanto, o conselho foi praticamente desativado nos últimos anos, tornando-se apenas um órgão de homologação das decisões do governo.

José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo publicado na revista Exame CEO em 27/11/2014.

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