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Editorial

A sustentabilidade de hidrelétricas, por Claudio Sales e José Goldemberg

Brasil ainda conta com um significativo potencial hidráulico não aproveitado, superior a todo o parque de hidrelétricas em operação atualmente

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 A sustentabilidade de hidrelétricas, por Claudio Sales e José Goldemberg

Brasil ocupa terceiro lugar no ranking de nações com maior capacidade de produção hidrelétrica (Arte/Banco de imagens)

O aproveitamento de recursos hídricos para geração de eletricidade no Brasil iniciou-se no final do séc. XIX, quando foi inaugurada a primeira usina hidrelétrica do país, com potência de 250 kW. Desde então, a nossa capacidade de geração multiplicou-se 400 mil vezes, atingindo o patamar de 100 GW em 2016. Esta marca nos coloca no terceiro lugar do ranking de nações com maior capacidade de produção hidrelétrica.

Apesar do longo histórico de utilização de recursos hídricos para a geração de eletricidade, o país ainda conta com um significativo potencial hidráulico não aproveitado, superior a todo o parque de hidrelétricas em operação atualmente. A implantação de novas usinas, no entanto, tem provocado reações negativas de setores da sociedade. O escrutínio sob o qual estes projetos se encontram se intensifica à medida em que os rios amazônicos têm sido utilizados para a geração de eletricidade.

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O legítimo e desejável zelo para com o impacto de hidrelétricas sobre a dimensão socioambiental precisa ter como base informações precisas e estar livre de discursos dogmáticos que podem embutir interesses pouco transparentes. Infelizmente, não é isso o que muitas vezes ocorre no Brasil. Como consequência, observa-se aumento da insegurança jurídica e institucional do processo de implementação de hidrelétricas, o que significa maior risco e, em função disto, aumento de custos de projetos importantes para garantir a oferta de eletricidade no futuro. O principal prejudicado no meio desse ruído é o consumidor, que passa a arcar com tarifas de eletricidade mais altas.

Com o intuito de contribuir para a qualificação da discussão sobre os desafios socioambientais envolvidos na geração hidrelétrica no país, o Instituto Acende Brasil desenvolveu, no âmbito do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o projeto "Análise socioeconômica e ambiental da implantação de usinas hidrelétricas".

Focado em municípios que tiveram o seu território abrangido por reservatórios de hidrelétricas, o estudo analisou por meio de técnicas econométricas o comportamento de 26 indicadores pertencentes a cinco eixos temáticos (Atividade Econômica, Saúde e Segurança Pública, Educação, Finanças Públicas e Meio Ambiente) durante as etapas de planejamento, construção e operação de hidrelétricas. Um banco de dados com mais de 2 milhões de registros foi construído para avaliar 168 usinas distribuídas por todo o território brasileiro. Uma equipe multidisciplinar de físicos, biólogos, economistas, engenheiros e gestores ambientais se debruçou sobre o tema durante 30 meses.

A síntese dos resultados indica, de forma geral e resumida, que hidrelétricas não produzem efeitos exacerbados ou marcantes, sejam eles positivos ou negativos, sobre aspectos socioeconômicos dos municípios em que elas são construídas.

Do ponto de vista econômico, o número de empregos e o salário nos municípios que recebem hidrelétricas são impactados positivamente durante a construção (aumento de 20% e 10%, respectivamente, quando comparados a municípios que não receberam hidrelétricas). Durante a operação, a mesma relação positiva com o salário médio é observada.

Em relação às finanças públicas, foram avaliadas a arrecadação de dois impostos (ISS e IPTU) e a receita orçamentária municipal. Nesta dimensão destacou-se o incremento, da ordem de 60%, da arrecadação de ISS ao longo da construção das hidrelétricas. Tal aumento, no entanto, não provoca modificações significativas na receita orçamentária dos municípios.

Apesar de as análises referentes à "Saúde e Segurança Pública" abrangerem temas variados (incluindo doenças de veiculação hídrica e sexualmente transmissíveis, malária, mortalidade infantil, entre outros), apenas a fecundidade possui correlação com a implantação de hidrelétricas. Nas três etapas analisadas, municípios com usinas apresentam queda no valor deste indicador da ordem de 5%. Estudos aprofundados sobre este tema -em fase de planejamento pelo Instituto Acende Brasil - poderão elucidar essa correlação.

O estudo dos indicadores de educação revelou que, durante a construção e operação, a rede pública experimenta redução do número de matrículas no ensino fundamental de cerca de 15% em cada etapa. Relação semelhante não é observada na rede particular ou no ensino médio. As hipóteses explicativas para este efeito também serão tratadas futuramente.

Por fim, nenhum dos dois indicadores ambientais avaliados - referentes a desmatamento e cobertura vegetal - apresenta comportamento diferenciado. Neste caso, o resultado sugere que a relação entre a implementação de hidrelétricas e o desmatamento responde a uma dinâmica mais complexa que aquela comumente divulgada. No entanto, os indicadores estudados se limitam a municípios da região Norte, o que restringiu a abrangência das análises.

A avaliação da sustentabilidade de hidrelétricas é complexa e requer a observação de um amplo conjunto de fatores que extrapola o conteúdo do projeto. Impactos como a perda de biodiversidade e interferências nos modos de vida de populações tradicionais e na atividade pesqueira, entre outros, carecem de indicadores municipais e, portanto, não puderam ser avaliados.

Apesar disto, o estudo constitui um importante passo na consolidação de informações quantitativas que poderão orientar o processo decisório sobre a construção de novas hidrelétricas. Os benefícios dessa iniciativa se revertem para todo o país, que passará a contar com técnicas objetivas de avaliação do desempenho de suas usinas. Espera-se, assim, elevar o patamar do debate acerca do impacto de hidrelétricas e contribuir para a formulação de políticas públicas que compatibilizem segurança energética e o desenvolvimento sustentável no Brasil.

* José Goldemberg é Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no jornal do Valor Econômico, em 28 de julho de 2017

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