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Editorial

José Goldemberg: A Convenção do Clima 25 anos depois

Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP comenta sobre a convenção Rio92: "passados 25 anos da assinatura, esta é uma boa ocasião para avaliar o seu sucesso"

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José Goldemberg: A Convenção do Clima 25 anos depois

Como os gases responsáveis pelo aquecimento global não respeitam fronteiras, era indispensável a colaboração de todos os países para enfrentar o problema, afirma Goldemberg
(Arte/Banco de Imagens)

José Goldemberg

Em junho de 1992 foi assinada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio 92, com a presença recorde de mais de cem chefes de Estado, incluindo o presidente dos EUA, e representantes de 179 países. Essa convenção foi o resultado de intensas negociações que se iniciaram no fim do governo Sarney, em 1989, e seguiram no governo Collor a partir de 1990.

O objetivo da Convenção do Clima, que é um tratado internacional, é estabilizar a composição da atmosfera e evitar que as atividades humanas interfiram de forma prejudicial e permanente no clima da Terra.

Existiam antes de 1992 inúmeros outros instrumentos nacionais e internacionais destinados a regular a emissão de poluentes e resíduos perigosos para o meio ambiente. O que fazer como lixo urbanoe os esgotos preocupa as autoridades públicas desde a Antiguidade, o melhor exemplo é o sistema de esgotos da cidade de Roma, a CloacaMáxima, iniciado no século 4.0 antes de Cristo e que existe até hoje.

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A má qualidade do ar e da água, principal causa de doenças e pestes na Idade Média, foi sempre uma das principais preocupações das autoridades e deu origem, a partir de meados do século 20, à extensa legislação ambientalem vigor. Essas preocupações tomaramgrande impulso com a Conferência de Estocolmo de 1972, que teve enorme repercussão e deu origem à criação de Ministérios de Meio Ambiente ou órgãos equivalentes na maioria dos países. Seu objetivo é minimizar os impactos resultantes dos poluentes que resultam da atividade humana no meio ambiente em nível local e regional.

Preocupações com a composição da atmosfera não faziam parte dessas atividades até 1992, quando, sob a influência de novas descobertas científicas, se tornou claro que a queima de combustíveis fósseis em grande escala lançava na atmosfera quantidades tão grandes de gases que estavam mudando a sua composição.

Há milhões de anos existia na atmosfera, além de oxigênio e nitrogênio, uma pequena quantidade de dióxido de carbono. Essa pequena quantidade, contudo, é essencial para regular a temperatura média da Terra e mantê-la em torno de 15 graus centígrados. Sem ela a temperatura média da Terra seria cerca de 15 graus abaixo de zero, o que tomaria difícil a existência da civilização como a conhecemos.

Se a quantidade de carbono na atmosfera aumenta, a Terra se torna mais quente, o que pode mudar muito as condições em que vivemos. E isso está acontecendo. Desde o início da revolução industrial, há dois séculos, a temperatura média já subiu mais de um grau pelo fato de a fração de dióxido de carbono na atmosfera ter quase dobrado.

Como os gases responsáveis pelo aquecimento global não respeitam fronteiras, era indispensável a colaboração de todos os países para enfrentar o problema. Esse foi o objetivo da Rio 92. A conferência foi um sucesso graças ao enorme esforço de vários governos, entre os quais o do Brasil, que não só a sediou, como foi extremamente atuante em convencer os grandes países industrializados (os principais emissores dos gases poluentes) a virem ao Rio de Janeiro e assinarem a convenção.

Passados 25 anos da assinatura, esta é uma boa ocasião para avaliar o seu sucesso. Há duas formas de fazê-lo: do ponto de vista de governos e do ponto de vista da sociedade.

Do ponto de vista dos governos, os progressos alcançados foram insatisfatórios, apesar das inúmeras tentativas feitas. O Protocolo de Kyoto,em 1997, tentou “dar dentes” à convenção, estabelecendo metas quantitativas e obrigatórias de redução das emissões para os países industrializados e isentando de metas os países em desenvolvimento. Não deu certo! A China, considerada um país em desenvolvimento, era um emissor modesto em 1997 c passou a ser o maior emissor mundial.

A Conferência de Paris, em 2015, tentou uma nova solução: cada país fixa voluntariamente suas metas de redução, mas, uma vez apresentadas, elas se tornam mandatórias. O conjunto de compromissos que os países submeteram ao Secretariado da Convenção do Clima após a Conferência de Paris não evitará um aquecimento gradativo do planeta, mas é um passo importante para reduzir esse aquecimento.

O governo brasileiro, desde 1992, apesar de ter sediado e apoiado o grande evento que foi a adoção da Convenção do Clima, adotou políticas contraditórias na sua implementação, usando o batido argumento de que o desenvolvimento econômico tem precedência sobre a proteção ambiental e que caberia às nações industrializadas arcar com os custos e as ações necessárias para reduzir as emissões. Essa política mudou para melhor nos últimos anos com a redução do desmatamento da Amazônia a partir de 2005 e levou a propostas adequadas de reduções voluntárias apresentadas à Conferência de Paris, conduzidas pela ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que contou com apoio significativo dos pesquisadores de São Paulo.

Os EUA segundo emissor mundial, depois da China não pretendem permanecer no Acordo de Paris, mas, na prática, as grandes indústrias americanas e muitos Estados importantes, como a Califórnia, já se programaram para as reduções, que serão efetivadas em razão do avanço inexorável da tecnologiae da adoção de energias renováveis (solar, eólica e outras). O que o presidente Trump conseguiu com suas desastradas decisões foi isolar os EUA, o que estimulou os demais países a redobrar seus esforços para reduziras emissões.

Do ponto de vista da sociedade, a Convenção do Clima pode ser considerada um grande sucesso, por ter promovido a conscientização de umgrave problema ambiental, cuja solução exige mudanças de processos produtivos, com redução do uso de combustíveis fósseis, e até dos nossos hábitos de consumo.

*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 19 de junho de 2017

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