Editorial
01/10/2025Debate da pejotização no STF deve ser balizado pela modernização que o atual ambiente trabalhista impõe
Plenária das diretorias joga luz sobre o tema, que será discutido pelo Supremo no início de outubro e tem potencial para dar segurança jurídica à modalidade






“A vontade do trabalhador deve ser levada em conta nas discussões a respeito da pejotização [contratação de profissionais via Pessoa Jurídica (PJ)], sobretudo referente ao vínculo empregatício. Será que ele quer estar engessado na figura da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou quer mais flexibilidade, inclusive de atuação?” Essa indagação é de Otavio Calvet, juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região do Rio de Janeiro (TRT-1), sobre o debate que ocorrerá em 6 de outubro no Supremo Tribunal Federal (STF) e que será um marco na regulamentação da modalidade.
A pejotização e outros temas trabalhistas relevantes para o ambiente de negócios brasileiro foi discutido por Calvet e José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), durante a reunião plenária das diretorias da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), realizada na última segunda (29).
Caminho pela modernidade
As definições acerca da pejotização terão impactos profundos para o ambiente de negócios brasileiro, com potencial de pacificar as divergências trabalhistas que se avolumam nos tribunais. Contudo, também podem trazer ainda mais insegurança jurídica para a modalidade autônoma, amplamente utilizada hoje em dia.
Segundo Pastore, os novos modelos de negócio exigem regras mais flexíveis, capazes de conciliar a necessidade de competitividade das empresas com a proteção aos trabalhadores. “Temos uma realidade que vai muito além da antiga relação binária entre empresa e empregado, na qual PJs realizam funções de diversas formas, e a legislação não atende a essa complexidade”, afirmou.
A postura protecionista na Justiça do Trabalho, de acordo com Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, tem deixado as empresas brasileiras e a economia nacional atrás de seus concorrentes, que estão alinhados com as práticas do mercado de trabalho moderno. “Muitos problemas que enfrentamos hoje é fruto do protecionismo que foi instaurado, mas que agora precisa evoluir para um entendimento mais equilibrado, levando em consideração, primordialmente, o mercado de trabalho atual. O Brasil não é uma ilha isolada — e, mesmo se fosse, nenhuma empresa ou país vive uma realidade paralela que possa ignorar o imperativo da realidade”, ressaltou.
O que esperar do STF?
Dentre as respostas que o Supremo deve dar para os tribunais inferiores e para a sociedade geral, destacam-se a licitude da modalidade; a definição do órgão judicial competente para julgar as possíveis fraudes nos contratos de prestação de serviços autônomos; e o regramento sobre quais aspectos definem o vínculo empregatício.
Para Calvet, as decisões anteriores do próprio STF já indicam algumas dessas respostas. “É lícito pejotizar, ou seja, é permitido que o trabalhador crie uma personalidade jurídica para prestar um serviço e receber por ele, de maneira independente e sem vínculo com a empresa contratante. O Supremo já disse que isso é lícito na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 66, que é uma decisão vinculante, e a Lei 13.429/2017, que define as regras para a terceirização, também autoriza a pejotização, no artigo 4º A, pois permite a prestação de serviços a terceiros. A prestação de serviço a terceiro seria a transferência feita pela contratante da execução das suas atividades a uma pessoa jurídica. No parágrafo 2º do mesmo artigo, o legislador deixa claro que não há vínculo de emprego”, apontou.
Sobre o ônus da prova em caso de vínculo empregatício, que Calvet julga ser o tema mais delicado, o juiz do TST-1 pontuou que a decisão do STF deve levar em consideração a vontade do trabalhador. Hoje, a legislação exige que a empresa contratante deve provar que não há vínculo laboral, ou seja, que o trabalhador autônomo não está sujeito a subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.
Na visão de Calvet, o Supremo precisa definir se a vontade do trabalhador deve entrar nessa equação, dividindo o ônus da prova entre o trabalhador de salário elevado (hipersuficiente) e o empregador (em caso de trabalhador hipossuficiente). “Mesmo que estejam presentes os requisitos de vínculo de emprego, poderia um trabalhador não querer ser empregado e ter o poder de escolha sobre a relação jurídica que terá com a empresa? Ao meu ver, sim, porque relação de emprego é privada. Caberia à Justiça do Trabalho decidir se essa escolha foi feita de forma leal ou se o trabalhador foi coagido”, afirmou.
Nesse cenário desenhado por Calvet, o empregado hipersuficiente seria responsável por provar o vínculo empregatício em caso de suspeita de fraude contratual, e o empregador teria de apresentar provas em caso de empregados hipossuficientes (que devem, de fato, serem protegidos pela legislação trabalhista).
Outra mudança relevante seria na condução do processo na Justiça, em caso de fraude contratual do pejotizado. Como se trata de um acordo civil, ou seja, firmado por duas pessoas jurídicas, a Justiça do Trabalho encaminharia a ação para a Justiça comum para analisar as possíveis discordâncias. Se houver confirmação de vínculo empregatício, o caso retornaria à Justiça do Trabalho para aplicar as sanções necessárias.
Comum acordo para dissídio coletivo
Outro assunto discutido na plenária das diretorias foi a retomada do julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a validade da regra que exige o comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo, mesmo quando uma das partes deliberadamente se recusa a participar do processo de negociação coletiva, em violação ao princípio da boa-fé.
Para Calvet, a própria Constituição Federal dá a resposta para o impasse, quando estabelece que, quando uma das partes se recusa a participar de negociação ou arbitragem, ambas podem, de comum acordo, ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica — que visa, dentre outros aspectos, definir reajustes salariais.
Em prol do ambiente de negócios
A FecomercioSP defende a modernização das relações de trabalho como caminho essencial para o desenvolvimento do País. Atualizar a legislação, segundo a Entidade, significa reduzir a informalidade, ampliar as oportunidades de emprego e trazer mais segurança jurídica às partes, evitando litígios e fortalecendo a autonomia privada como espaço legítimo de construção de consensos.
Para Dall'Acqua Júnior, “estamos diante de uma profunda insegurança jurídica: o que está em jogo é o equilíbrio entre a autonomia do trabalhador e a necessidade de proteção legal. São questões que definem o futuro das relações laborais e apontam para o desafio fundamental da liberdade de escolha versus a imposição de vínculos”, concluiu.
A modernização trabalhista não implica perda de direitos, mas a adaptação do Brasil a um cenário econômico dinâmico, em que empresas precisam de condições para crescer e inovar, enquanto trabalhadores merecem vínculos formais, estáveis e protegidos. Além disso, de acordo com o presidente em exercício da Federação, as novas gerações da força de trabalho nem sempre manifestam preferência pela forma celetista para essas relações, encaminhando-se para novos arranjos que permitam mais liberdade e flexibilidade do que a função subordinada.