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Editorial

“Macron vale uma aposta”, diz Paulo Delgado sobre o novo presidente francês

Em sua análise, o jovem governante equilibrou a ideia de negação da política com a ideia de unir a França

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“Macron vale uma aposta”, diz Paulo Delgado sobre o novo presidente francês

Macron trabalhou tanto para Sarkozy, o último presidente da direita francesa, quanto para Hollande, o presidente de esquerda que termina agora o mandato, destaca Delgado
(Reprodução/FreePik)

Paulo Delgado 

“És Emanuel?", pergunta angustiado o anjo caído e o mal incontrolável que ronda a Europa afastada de Deus. Emmanuel Macron se ofereceu para ser o candidato que as pesquisas diziam ser necessário. O eleitor não quer ser representado por partidos e está cansado do bipartidarismo francês. Macron fundou uma grife prét-a-porter. Aderiu à moda espanhola e italiana de não colocar a palavra “partido no início do nome de batismo. O “En Marche!", das iniciais de seu nome já foi rebatizado, dias atrás, para “La Republique en Marche!". É patético como é fácil enrolar o cidadão consciente! 

Para cruzar o enorme golfo de votos brancos e nulos que se anunciava precisava-se de alguém com aspecto renovador, ao mesmo tempo conciliador, capaz de trazer simpatia e apoio dos dois grandes lados do espectro político, direita e esquerda, as margens mobilizadoras do processo eleitoral. Ora, Macron trabalhou tanto para Sarkozy, o último presidente da direita francesa, quanto para Hollande, o presidente de esquerda que termina hoje seu mandato. Bem-vindos ao mundo de Macron, o chique e revolucionário camaleão tricolor. 

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Contraditoriamente no fundo, mas adequadamente na superfície de uma eleição, Macron equilibrou a ideia de negação da política - à qual bem serviu enquanto pavimentava sua jovem vida - com o slogan de “Unida, a França”. Nada melhor para embarcar em sua nau todos os náufragos da cena tradicional francesa. Os atributos camaleônicos de Macron, surfam, sobretudo, em sua juventude. Elixir recorrente das crises de esgotamento mundo afora, ser jovem permite transitar incólume ante os maus costumes de antigos, como os do ungido da direita republicana, François Fillon. Os vícios públicos-privados de Fillon abriram um bulevar para o avanço triunfal de Macron sobre a França conservadora aturdida, ao qual acorreram também as tropas socialistas desanimadas com o nada presidenciável Benoit Hamon, o mal-estar existencial da Rua Solferino, quartel-general do PS. 

Macron ocupou o espaço vazio deixado pela exaustão dos partidos apenas em parte. Uma sagacidade de interpretação do momento já testada com as confusões eleitorais que começaram a triunfar nos EUA e Grã-Bretanha. E Macron teve tempo de se polir para parecer perfeito como poucos. 

Afinal, que não haja engano. Num país como a França, as instituições são solidamente montadas com aversão a experimentações. Macron pode ser, ou não ser, o mais do mesmo que propagou não ser. Isso só o tempo dirá se é ou não secundário. O principal é que Macron passou no figurino institucional, uma religião para o francês, concebido para ser um presidente. Como todos os presidentes da França desde 1981, Macron sentou nos estreitos bancos da mesma Grande École, a Sciences Po, no sexto arrondissement de Paris. Dali, preferiu começar sua lide pelo prestígio napoleônico que dá servir ao governo nacional na forma de alto burocrata. Algo que o Brasil desconhece onde todos, e todas, acham que podem ser presidentes. Na França, passar pela Escola Nacional de Administração é receber alvará de presidente. Graduado, muito bem serviu tanto para vermelhos quanto para azuis e, sobretudo, mostrou-se confiável e competente para o grande capital. Com sua experiência, respeitabilidade e precocidade angariadas em uma trajetória de republicano, democrático e privilegiado, foi fisgado de bom grado para o outro lado da porta giratória do poder. Foi direto para o que há de mais emblemático do capitalismo mundial do século 19 para cá: a banca dos Rothschild. 

Entende-se que Macron seja a face aceitável da globalização. Se estará à altura só o tempo dirá. Do ponto de vista dos ingredientes necessários à mistura de um homem palatável ele é obra de chef francês, três estrelas no Michelin. Macron vale uma aposta. Vale apreciá-lo sobretudo após a experiência kitsch que foi Sarkozy e a insossa que foi Hollande. 

A França, que tem o presidencialismo mais forte entre os mais poderosos países do mundo, rivalizando em desvantagem somente com a Rússia e à frente dos próprios EUA em tal quesito, volta a ter um presidente para chamar de seu com orgulho. Milagre de candidato caído do céu das mais robustas análises estatísticas, Macron, se demonstrar merecimento e capacidade de arregimentação em seu governo, poderá mudar rumos e reformar hábitos. Embora muito novo, mas providencialmente casado com sua professora mais velha, receberá no colo o poder por parte da banca europeia, majoritariamente britânica, assustada com as incertezas e os passos em falso do Brexit e enfastiada com Angela Merkel. 

“És Emanuel?", não se sabe, mas sua manjedoura foi de ouro e decidida sua revelação parece mesmo um produto da mais moderna forma de fazer um presidente: o que o eleitor pode votar. (Com Henrique Delgado) 

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Estado de Minas no dia 14 de maio de 2017.

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