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Editorial

Goldemberg: Brasil deve reavaliar interesse na produção de eletricidade com energia nuclear

Novos reatores são mais caros que os antigos; o gás natural oferece custos menores, bem como as energias renováveis, como a eólica e a biomassa

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Goldemberg: Brasil deve reavaliar interesse na produção de eletricidade com energia nuclear

A eletricidade nuclear, que chegou a representar 16% da eletricidade usada no mundo, se reduziu a menos de 11%
(PixAbay)

José Goldemberg

Até o fim do século 18 o homem só contava com seus músculos como fonte de energia para suprir suas necessidades, suplementadas por animais domesticados como búfalos e bois na agricultura, vento e correnteza da água para mover moinhos para moer cereais; na navegação, madeira para cozinhar, iluminar e aquecer o ambiente. O consumo total de energia era modesto.

A partir daí, foram inventadas máquinas que usavam madeira ou carvão para ferver água e, com o vapor produzido, mover locomotivas ou máquinas usadas na indústria.

No fim do século 19, petróleo foi descoberto e permitiu o enorme desenvolvimento dos automóveis e caminhões que mudaram a face do século 20. Aos poucos, o petróleo substituiu o carvão porque era mais fácil de transportar e usar. Depois, o gás natural que era ainda melhor, começou a substituir o petróleo. O consumo total de energia aumentou extraordinariamente.

Preferências e ideologias, não foram um fator importante na escolha da fonte de energia a ser usada. Apenas melhores tecnologias e menores custos.

Em meados do século 20, os cientistas conseguiram utilizar a enorme energia armazenada no núcleo dos átomos, por isso chamada de energia nuclear. Isto foi feito inicialmente através das explosões nucleares que destruíram Hiroshima em 1945, quando a explosão de uma única "bomba nuclear" matou cerca de cem mil pessoas, mudando para sempre a face das guerras através de armas de destruição em massa.

Só alguns anos mais tarde a energia nuclear foi "domesticada" através da construção dos reatores nucleares em que eletricidade é produzida. Nestes reatores nucleares toda a radioatividade que é espalhada numa explosão nuclear é contida numa cápsula de aço.

Em condições normais de funcionamento, reatores nucleares são seguros. Quando ocorrem acidentes, porém, a cápsula pode se romper e espalhar radioatividade, como ocorreu em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986 e em Fukushima, no Japão, recentemente. As consequências destes acidentes afetaram centenas de milhares de pessoas e o custo da contenção dos danos é enorme.

A partir de 1970, mais de 400 reatores nucleares foram instalados em 31 países. Até 20 anos atrás, a energia nuclear parecia ser a energia do futuro.

Isto não aconteceu basicamente por três razões:

1. Motivações ideológicas devido ao uso de energia nuclear para fins militares;

2. Preocupações com as consequências de acidentes nucleares e suas consequências;

3. Elevação dos custos decorrentes da necessidade de aperfeiçoar os sistemas de segurança.

Em primeiro lugar, motivações ideológicas. Não há uma distinção tecnológica clara entre o uso de energia nuclear para fins militares e pacíficos, o que deu origem a um enorme movimento antinuclear que não teve muito sucesso em impedir que as grandes potências acumulassem estoques de dezenas de milhares de bombas nucleares.

O uso civil de energia nuclear foi muito afetado por este movimento. Além disso os acidentes nucleares e o receio de contaminação nuclear levaram vários países, entre os quais Japão e Alemanha, a abandonar gradativamente a energia nuclear e procurar desenvolver outras formas de produzir energia.

A eletricidade nuclear, que chegou a representar 16% da eletricidade usada no mundo, se reduziu agora a menos de 11%. Apenas poucos países continuam a construir novos reatores nucleares: China, Índia, Rússia e Coreia do Sul. Nos outros, há grandes esforços para manter os reatores nucleares existentes em funcionamento e substituir os antigos que atingem o fim de sua vida útil, já que a maioria deles foi construída há mais de 30 anos, nas décadas de ouro da energia nuclear de 1970 a 1990.

Sucede que os novos reatores são mais caros que os antigos e a competitividade que ofereciam no custo da eletricidade produzida está desaparecendo: o gás natural, que é abundante em muitas partes do mundo, oferece custos menores bem como as energias renováveis como a eólica e a biomassa.

Foi por esta razão que o novo governo inglês causou grande polêmica ao aprovar recentemente um enorme projeto nuclear na Inglaterra (Hinkley Point) aceitando a oferta da China de arcar com um terço dos custos.

É por isso também que o Estado de Nova York, nos Estados Unidos, decidiu subsidiar fortemente o setor nuclear para manter dois reatores em funcionamento. O argumento usado pelo governo é que subsídio é o "custo social do carbono" que seria emitido se os reatores fossem desligados e eletricidade tivesse que ser gerada usando combustíveis fósseis.

O mesmo está acontecendo na Alemanha, onde o uso de carvão para gerar eletricidade está sendo subsidiado.

Estas medidas para "socorrer" a indústria nuclear não podem ser duradouras porque os subsídios atingiriam valores astronômicos.

A evolução das tecnologias de energias renováveis que está ocorrendo levará ao abandono da opção nuclear na maioria dos países, com a possível exceção da China, onde as preocupações com custos e consequências ambientais não se fazem sentir como nos países com maior liberdade de expressão.

Neste quadro o Brasil, como já fez no governo Itamar em 1994, deveria fazer uma reavaliação séria do interesse em prosseguir na linha de produzir eletricidade usando energia nuclear. Os dois reatores instalados no Brasil em Angra dos Reis só são viáveis porque vendem eletricidade à Eletrobras com fortes subsídios. A conclusão de Angra 3, cujo projeto e equipamentos foram feitos há mais de 30 anos e com a Nuclebras enfrentando problemas de corrupção, deveria ser objeto de um reexame realista considerando os custos e benefícios que poderiam resultar dela.

*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Aritigo publicado no jornal Valor Econômico em 3 de outubro de 2016.

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