Editorial
22/10/2025José Pastore: voz na formação social do Brasil
Trajetória voltada ao desenvolvimento econômico e trabalhista foi determinante para compreender a classe média brasileira

José Pastore é um dos homenageados da primeira temporada do projeto Notáveis — iniciativa dedicada a retratar as experiências, os valores, as memórias e a contribuição de quatro personalidades para as realidades socioeconômica, jurídica, cultural e intelectual brasileira. O projeto é uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
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José Pastore nasceu em 1935, no bairro da Lapa, em São Paulo. Cresceu em uma casa geminada na Rua Isaac Annes, com os pais, Clemente e Adelina; a irmã, Maria Cecília; e a avó Domingas. Pastore se conectou com a arte desde pequeno: o pai, cronista, contador, professor e entusiasta do teatro, promovia ensaios na sala da casa e tinha os filhos como auxiliares.
Os avós, de origem italiana, foram presentes durante a sua infância. Com o avô paterno, Vincenzo, que trabalhava nas fábricas Matarazzo, Pastore caçava codornas nas regiões rurais adjacentes a São Paulo. A mãe, Adelina, viveu até os cem anos: estudou pouco, até o terceiro ano primário, mas por compreender a importância de uma boa educação, era figura ativa na vida escolar dos filhos. Adelina era o polo afetivo e amoroso da família e a quem Pastore, a irmã e até os primos recorriam. “Filha de Maria”, foi muito devota e dedicada à caridade.
Em 1942, Pastore ingressou no colégio Liceu Barbosa Lima, onde estudou durante três anos. Cursou o ginásio no renomado Conselheiro Lafayette, colégio em que fez parte da orquestra de mesmo nome. Aos 11 anos, incentivado pelo tio, Humberto, tem as primeiras lições de violino e passa a estudar o instrumento no conservatório, onde ficou cerca de oito anos, passando por todos os cursos de teoria musical que o instituto oferecia.
Aos 16, participava de grupos musicais de renome na capital paulista. A Orquestra do Museu de Arte e a Orquestra Juvenil de São Paulo tiveram a oportunidade de contar com Pastore na sua composição. Nesse período, dividiu palco com músicos respeitados, como os maestros Júlio Medaglia e Isaac Karabtchevsky. Pastore também tocava na igreja e em casamentos, rodando o Estado com apresentações.
Da música à sociologia, sempre com o olhar para as pessoas
Em 1955, finalizou o curso científico no Colégio Roosevelt e ingressou na Faculdade de Saúde Pública, mas não demorou muito para se encantar com as ciências sociais. O estudo das comunidades, a sociologia e a antropologia apresentadas no curso de Educador Sanitário o levaram à Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Não satisfeito, ingressou, em 1961, na Universidade de São Paulo (USP) com o intuito de complementar a formação teórica na área da Sociologia.
O sociólogo recebeu o título de mestre em Ciências Sociais pela FESPSP em 1963, com a tese “Rendimento escolar em São Paulo: uma interpretação sociológica”, orientado pelo Prof. Dr. Bert Ellenbogen. No ano seguinte, incentivado pelo orientador, ingressou no PhD na Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. Anos mais tarde, com uma carreira consolidada na área do Trabalho e reconhecida importância nas ciências sociais, Pastore recebeu o título de doutor honoris causa pela mesma universidade que obteve o doutorado, em 1968.
Pioneirismo acadêmico e impacto nas políticas do trabalho
Lecionou no curso de Filosofia na USP. A sua abordagem pouco usual da sociologia no Brasil, ligada a análises numéricas e quantitativas, afastou-o das áreas convencionais de atuação acadêmica. Assim, logo foi convidado a lecionar na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA/USP). Em 1958, atuava como professor e pesquisador no Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE), lecionando disciplinas como Metodologia de Pesquisa e Sociologia Econômica.
Pastore foi pioneiro no entendimento de uma nova formação de classes no Brasil. Diferentemente do que era defendido pela elite intelectual da época, uma divisão do século 20 baseada em duas classes bem consolidadas — burguesia e proletariado —, o professor defende a ideia de um Brasil dividido em três estratos sociais. A formação da classe média, muito bem notada por ele, foi motivo de discussões no campo sociológico.
Na década de 1970, participou do Projeto de la Cuenca del Guadalquivir, na Espanha, organizado pela Food and Agriculture Organization (FAO), braço da ONU para a agricultura. O projeto visava à reestruturação sustentável da terra na região (até então desértica) do Rio Guadalquivir. Pastore foi responsável por estruturar um desenho da região que fosse — a pedido do governo espanhol e das Nações Unidas — socialmente democrático. Em 2024, retornou ao município de Almonte com a família para contemplar o sucesso do trabalho no território, muito baseado na fruticultura.
Em 1972, participou diretamente da criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, que teve importância ímpar no desenvolvimento da Agropecuária nacional. No ano seguinte, o sociólogo também teve papel preponderante na criação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O projeto foi um importante vetor para a formação internacional dos mais importantes nomes da economia nacional no período. Em 1977, tornou-se professor titular na FEA/USP.
Pastore sempre cultiva histórias, amizades e relações. É marido de Wilma, pai de três filhos — José Eduardo, Silvia Cristina e Ana Cláudia — e avô de três netos. Um intelectual verdadeiramente brasileiro, com o foco voltado para os desenvolvimentos social e trabalhista do País. Ocupante da cadeira 29 da Academia Paulista de Letras (APL), que tomou posse em 2004, o sociólogo é um entusiasta das artes, ligado à literatura, ao teatro e, principalmente, à música, paixão que o levou ao Conselho da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp) e ao Conselho de Desenvolvimento do Instituto Baccarelli. Hoje, aos 90 anos, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e segue sendo referência em pesquisas acerca da relação capital e labor.
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