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Editorial

Latifúndios indígenas e o MST

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Latifúndios indígenas e o MST

Em área maior do que a de muitos estados do Brasil juntos – e em que, apesar de o artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal permitir o livre trânsito, no território nacional, de todos os brasileiros, lá não se entra sem autorização da Funai – vivem menos de 800 mil índios de diversas etnias. Vale dizer, 13% do território nacional – área superior à de numerosos países – foram outorgados para tais cidadãos privilegiados, por esdrúxula e incorreta interpretação da CF (art. 231), que só assegurou aos índios as terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição.

Fala o texto supremo em terras "que ocupam" e não "que ocuparam". A mudança do tempo do verbo, na interpretação oficial, avalizada pela Suprema Corte, levou à violação de uma cláusula pétrea da Lei Suprema, que assegura a todo brasileiro o direito de ir e vir no território nacional, livremente. Tal interpretação garantiu apenas o direito de ir e vir em 87% do território, proibindo o cidadão de adentrar as terras dos indígenas sem o beneplácito da Funai, ali podendo permanecer por curto espaço de tempo (horas ou poucos dias).

Transcrevo o artigo 5º, inciso XV, da Carta Magna: " É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". Embora fale o constituinte "nos termos da lei", é bom lembrar que a lei não pode alterar o conteúdo da Constituição, mas apenas explicitá-lo. E o direito de ir e vir, pois, não poderia ser amesquinhado por lei infraconstitucional.

Desta forma, 200 milhões de brasileiros e residentes só podem circular por 87% do território nacional, enquanto 800 mil índios têm garantido o acesso e permanência em área privativa de 13% do território nacional, além dos demais 87%.

Sem querer discutir, neste artigo, a questão da exegese utópica, ideológica e incorreta que levou à monumental extensão do território, que os índios ocupavam em 5 de outubro de 1988, ocorreu-me uma idéia que permitiria equacionar um problema, também político e ideológico, que é o do Movimento dos Sem Terra.

Diz o MST, e, neste sentido, pressiona Incra e o governo federal, que seus integrantes não têm onde trabalhar – pois pertencem ao grupo dos 200 milhões de brasileiros, que não podem circular livremente por terras indígenas. Por outro lado,Funai e governo não negam que 13% do Brasil foi outorgado a esta escassa população , que não consegue explorar a região e, de longe, não têm como habitá- la.

Estou convencido de que não foi intenção do constituinte criar um "museu vivo de índios", habitando eternamente em condições primitivas. Afinal, são seres humanos, iguais a nós, com os mesmos direitos! Não podem as reservas indígenas ter o mesmo tratamento de preservação dos parques nacionais da África, em que os animais são mantidos segregados.

Nada mais natural, assim, que se utilizasse a experiência e a mão de obra dos que não têm terras para permitir a evolução de área tão extensa e tão inabitada. Incra e Funai, para o bem do Brasil, poderiam se unir para permitir que os que não têm terra e querem evoluir e os que têm muita terra e não sabem evoluir se unissem, de modo a solucionarmos dois grandes problemas, ou seja, de ofertar terras aos sem terra e ofertar evolução, com a experiência dos sem terra a todos os índios, inclusive ao grande contingente de estrangeiros unidos por sua etnia aos indígenas brasileiros.

E aqueles índios que quisessem viver como viviam em 05/10/1988, poderiam valer-se da interpretação correta do artigo 231, que diz : "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens", –, ou seja, ser-lhes-iam asseguradas as terras que estavam ocupando em 1988, uma reduzidíssima parcela do território nacional, afastando-se a interpretação de que teriam direito às terras que ocuparam há dezenas e centenas de anos atrás.

Pela correta exegese, não restaria prejudicada a preservação de seus costumes e tradições, por eles vividas no dia 5 de outubro, em toda a sua plenitude, no território que ocupavam. É uma idéia sem qualquer cunho ideológico, utópico, político ou de interesses escusos, mas com nítida intenção de dar terra para trabalhar a quem não tem, preenchendo imensos espaços vazios e inexplorados, além de permitir, por outro lado, a evolução e o bem estar de ambas as comunidades. Estar-se-ia eliminando um conflito de classes e permitindo a evolução do País, tirando, inclusive, daqueles que se alimentam da inoculação do ódio nos meios sociais, o poder de se locupletar das tensões que geram.

Por fim, não se prejudicaria o setor do agronegócio, dos mais evoluídos do mundo, que tem salvo o País do descompasso da balança comercial, único setor em que não tememos a concorrência internacional. Vale a pena refletir sobre o tema.


Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.

Artigo publicado no jornal Diário do Comércio-SP em 29/04/14, pág. 03.

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