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Editorial

Oferecer melhor chance de absorção de imigrantes seria bom para a economia do Brasil, afirma Paulo Delgado

Segundo o copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, a visão positiva do Brasil pode ser alcançada com ações que sejam ao mesmo tempo altruístas, inteligentes e corajosas

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Oferecer melhor chance de absorção de imigrantes seria bom para a economia do Brasil, afirma Paulo Delgado

"A crescente crença antimigratória, ao restringir a liberdade de movimento ao perímetro das fronteiras dos países, basicamente não crê em oportunidades iguais e justiça social", afirma Delgado
(PixAbay)

Paulo Delgado

Justiça social tem a ver com acesso a oportunidades de melhoria. Oportunidade, por sua vez, depende de liberdade de movimento. Somente por sorte alguém nasce num contexto em que é bom permanecer por toda a vida. Só o fatalismo, ou a derrota ante a pressão de um ambiente, faz a pessoa não buscar em outros lugares a felicidade e o bem-estar que não encontra no lugar onde está.

A crescente crença antimigratória, ao restringir a liberdade de movimento ao perímetro das fronteiras dos países, basicamente não crê em oportunidades iguais e justiça social. Uma maré negativa que afronta o que deveria ser a característica básica dos direitos humanos, que é a proibição de a vida piorar.

Cerca de 3% da população mundial não vive no país em que nasceu. Tal insignificante cifra escancara como o preconceito com relação à imigração é muito barulho por nada. Afinal, como pode 3% ser entendido como estorvo? A grande pergunta que cabe na realidade é por que cargas d’água são tão poucos os imigrantes mundo afora?

No mundo das teorias e abstrações, alguns acadêmicos se debruçam sobre o que, por hipótese, ocorrería em um mundo sem fronteiras. De longe, o argumento que reúne mais consenso é o de que, eliminadas as barreiras à migração, o PIB do mundo aumentaria bastante. Algumas regiões empobreceríam ainda mais, decerto, mas o ganho total do rearranjo traria vantagens para a maioria, de forma que mais do que compensaria as perdas de algumas partes.

A síntese libertária mais recente sobre a questão está na revista americana Foreign Affairs. O autor, alinhado ao Instituto Cato, think tank baseado em Washington, lembra que o que é pobreza nos padrões dos países ricos é fortuna para grande parte do mundo. O problema da abertura das fronteiras é que você passa a ver e a ter de conviver diariamente com a pobreza. Uma pobreza que representa, para aqueles imigrantes, uma situação muito melhor do que a que tinham previamente. Mas não é uma panaceia. Como permitir o afluxo de imigrantes e garantir que todos terão os mesmos acessos ao Estado de bem-estar social “padrão União Européia”? A conta não fecha. Mas é covardia virar as costas e fechar os olhos. O meiotermo é melhor e mais justo do que os extremos.

Por isso, talvez, o Brasil, onde o Estado de bem-estar social é um sonho e a visão da pobreza é parte da paisagem, possa oferecer uma melhor chance de absorção de imigrantes. E seria bom para a economia. Num momento em que o foco de tudo transita em tomo de uma atitude de imolação da alma corrompida do brasileiro e das instituições que construiu, talvez nada melhor do que adicionar ingredientes externos no caldeirão para ver se melhora a composição de nossa receita de sociedade. Que venham novos africanos, árabes, europeus, asiáticos e povos que nunca vieram para cá. Uma ação radical, intrinsecamente boa e voltada para fora de si mesmo, talvez traga harmonia para uma sociedade que se arrasta no chão das pequenezas.

O Artigo 33 da Convenção sobre Refugiados da ONU, assinada em 1951, expressa a proibição de expulsar refugiados, causando seu retorno ao local onde sua vida estava ameaçada. Algo que tem sido feito por aí. Só na crise da Síria, mais de 10 milhões de pessoas tiveram de fugir e muitas foram cruelmente impedidas de chegar a algum lugar.

Uma das idéias mais interessantes para resolver a situação foi formulada por Paul Collier, também na Foreign Affairs. Ele propõe uma abordagem baseada em desenvolvimento. Parar com essa coisa de acampamento em país vizinho ou mudança desesperada para países ricos. Collier sugere zonas econômicas especiais em áreas vizinhas à Síria. Nelas, empresas se instalariam dando empregos para os refugiados, colocando, também, saúde, educação, esporte e lazer de forma sustentável como só em uma cidade com atividade econômica pode ocorrer. Os governos e as empresas que hoje doam para garantir a subsistência dos refugiados e sua manutenção longe de EUA, Japão, Reino Unido e União Européia passariam a promover a existência deles dando-lhes acesso ao mercado de trabalho.

A ideia original de colocar essas zonas econômicas especiais em países vizinhos é boa pela proximidade geográfica e cultural, sobretudo por falarem a mesma língua.

Ora, o Brasil tem a maior população oriunda de sírios e libaneses do mundo. E ainda ocorre de ser presidido, no momento, por um desses descendentes. Talvez seja essa a grande chance que o país tem de contribuir para a humanidade, no momento atual. E melhorar no processo a sua própria busca por uma visão positiva sobre si mesmo. Algo que só será alcançado com ações que sejam ao mesmo tempo altruístas, inteligentes e corajosas.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense no dia 3 de abril de 2017.

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