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Editorial

Paulo Delgado: 2017 começa trazendo mais para perto o aniversário de 10 anos da crise de 2008

Para o copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, crises são berços de populismos e fascismos e 2017 pode ver essa "azeda colheita" se intensificar mundo afora

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Paulo Delgado: 2017 começa trazendo mais para perto o aniversário de 10 anos da crise de 2008

Na opinião de Delgado, a reação à grave crise desta vez foi diferente
(PixAbay)

Por Paulo Delgado, com Henrique Delgado

Ano passado, a ONG britânica Oxfam provou que 62 pessoas têm a mesma riqueza de metade da população da Terra. Dias atrás, em preparação para o Fórum Econômico de Davos, a Oxfam refez os cálculos e anunciou que, hoje, o total de riqueza nas mãos dos 3,6 bilhões mais pobres equivale à riqueza de oito bilionários.

A constelação reunida em Davos é composta de várias pessoas e organizações responsáveis por melhorias notáveis na vida de todo o mundo. Muitos, inclusive, como Bill Gates e Warren Buffett, primeiro e terceiro na lista dos oito, já entregaram a maior parte de suas fortunas para a filantropia. Davos, e tudo o que ela representa, contraditoriamente parece desconectada demais da realidade do mundo que em grande parte ajudou a criar.

Não se deve perder de vista que o desequilíbrio das riquezas pessoais ocorre em período em que o equilíbrio do mundo melhora com um número maior de centros de poder e riqueza. O festim suíço recebeu pela primeira vez a maior autoridade da China, que eclipsou os demais ao defender a globalização, enquanto ao agora ex-vice-presidente Biden, dos EUA, coube o tom lúgubre de alertar para o difícil cenário que se forma.

Mesmo para o mais bem preparado dos homens as dificuldades do mundo atual realmente parecem de difícil contorno. O errático Trump, com sua tagarelice deselegante, está tirando o papel dos EUA do mundo da análise de risco e o deslocando para o da imprevisibilidade.

"Nossas relações internacionais, embora vastamente importantes, estão, em termos de tempo e necessidade, secundárias ao estabelecimento de uma economia nacional sólida. Eu sou a favor de políticas práticas que ponham em primeiro lugar as prioridades nacionais.” Tal alienação, que tanto agrada aos nacionalistas que produziram a atual crise brasileira, não saiu da boca do já presidente Donald Trump, mas daquele que é amplamente considerado um dos três maiores presidentes da história americana, Franklin Roosevelt, no dia de sua posse, em 1933.

Àquela altura, os EUA não detinham o poder hegemônico global, mas sua insistência de que a crise de 1929 seria solucionada individualmente por cada país, e não pela cooperação coordenada internacional, mostrou-se não apenas falha, mas trágica. Foi só quando veio a guerra que Roosevelt ganhou sua estatura, limpando a abominação que pouco fez para evitar que se formasse. Não à toa, Charles Kindleberger, no principal estudo da década decisiva do século 20, enfatiza a coincidência de que no dia seguinte a essa posse de Roosevelt, a Alemanha deu a Hitler o poder de governar por decreto.

O ano de 2017 começa trazendo mais para perto o aniversário de 10 anos da crise de 2008. A reação à grave crise desta vez foi diferente. Há pessoas que aprendem com a história, esse grande laboratório das ciências sociais. Todavia, a reação-padrão irrefletida de países fechados vem predominando. Causa e efeito. Crises são berços de populismos e fascismos. 2017 pode ver essa azeda colheita se intensificar mundo afora. Atenção à encruzilhada em lugares-chave da Europa.

Já em março, pode ser que a Holanda entregue ao esquisitão Geert Wilders, fundador e líder do Partido pela Liberdade, o maior número de votos na eleição nacional do país. Nas comicidades do mundo, Wilders lembra a caricatura de Trump.

A França vai às urnas em abril e maio a fim de decidir seu novo presidente. Hollande não tentará a reeleição, abatido pela desaprovação na pesquisa encomendada pelo Le Monde. O principal candidato nas primárias de seu partido tem sofrido na pele a rejeição. Manuel Valls, que serviu ao governo como ministro do Interior e também como primeiro-ministro, no curto período desde o mês passado em que começou sua campanha, já foi atacado com um saco de farinha em Strasbourg e com um tapa na cara em Brittany. Neste domingo e no próximo, ocorrem os dois turnos das eleições primárias. Tudo indica que não é dos socialistas que sairá o verdadeiro concorrente ao cargo.

Emmanuel Macron, que desertou do PS e, como um brasileiro, fundou seu partido há menos de um ano, é a única cara que passou pelo governo Hollande com chance. Marine Le Pen já parece aguardar o segundo turno, ou contra Macron ou contra François Fillon, que foi primeiro-ministro de Sarkozy. Em qualquer cenário, a França terá a cara feia dos que querem isolá-la do mundo.

Em outubro, por fim, é a vez da Alemanha. Merkel, tal qual Roosevelt, se sente insubstituível e concorre a um quarto mandato de chanceler. Seu partido é o favorito, mas nunca esteve tão ameaçado. Figura de rude candura, primeiro deixou a crise se agravar sobre o continente para depois se tornar o esteio da União Européia.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense no dia 22 de janeiro de 2017.

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