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Editorial

Para além da Otan

De acordo com o copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, Paulo Delgado, com o deslocamento da massa econômica para o Pacífico, a Otan realmente talvez tenda a perder mais e mais seu protagonismo

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Para além da Otan

Trump reclamou palavra por palavra do fato de que os EUA investem mais do que qualquer outro parceiro na Otan, comenta Delgado
(Tibério Barchielli)

Paulo Delgado

Bruxelas abrigou em 25 de maio o encontro de líderes dos paísesmembros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar mais poderosa da atualidade foi estabelecida após a Segunda Guerra Mundial no momento em que a Guerra Fria tomava o lugar de preocupação principal para o equilíbrio e a paz. A organização fica na Bélgica não só porque o precursor do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington em 1949, foi o Tratado de Bruxelas, assinado um ano antes, mas pelo fato de que desde aquela época sua principal preocupação é a Europa e suas nacionalidades.

Curiosamente, a única vez em que o tratado foi acionado, em 2001, o foi por conta de um ataque aos EUA. A ação terrorista contra as Torres Gêmeas, que levou à quase imediata invasão do Afeganistão por tropas americanas, junto com tropas da Otan. De toda forma, a pouca utilização do Tratado deve ser encarada muito mais como resultado de sua eficácia dissuasiva do que de sua falta de importância ou anacronismo.

Ainda assim, o arranjo continua em sintonia com a agenda global na qual os EUA continuam o único Estado empenhado em transformar "a seu modo” o mundo. Apontada por Donald Trump como “obsoleta”, a Otan é muitas vezes vista pelos EUA como um esquema de segurança cuja conta é desproporcionalmente paga por Washington.

Os EUA vivem pressionando os aliados europeus a gastarem mais dinheiro com defesa. A maioria gasta menos de 2% de seus PlBs na área. Os EUA colocam cerca de 3,3%. Fora da Otan, a Rússia, outro país com pretensões hegemônicas, gasta na casa dos 5%. Os que mais gastam, entretanto, são países em áreas de conflito, como Omã (17%), Arábia Saudita (11%) e Israel (6%). A média mundial é de 2,3%. Por curiosidade e para efeitos de comparação, o gasto brasileiro em 2016 foi de 1,3% de seu PIB.

Em seu discurso no jardim da sede da Otan, diante de uma fila de embaraçados Chefes de Estado e Governo em pé a ouvi-lo, Trump reclamou palavra por palavra do fato de que os EUA investem mais do que qualquer outro parceiro ali presente na defesa da qual todos se beneficiam. Bateu na tecla de que todos na aliança devem gastar ao menos 2% de seu PIB com armas. Uma demanda que nunca foi expressa tão diretamente por um presidente americano.

No pragmático jargão do pensamento dos planejadores, trata-se de uma troca de manteiga por arma. É um desafio administrar a satisfação popular, quando o Estado canaliza recursos que podiam ser usados para aumentar o bem-estar no dia a dia das pessoas, as manteigas, para esforços bélicos em tempos de paz. A propaganda que enfatiza os valores marciais dá uma baita força, decerto. Todavia segue sendo um desafio e, por que não, um contrassenso, convencer uma sociedade capitalista abastada acerca da prioridade de exagerados gastos militaristas.

Tal discussão com relação aos gastos com a Otan existe desde sua criação. Mas é a primeira vez nos últimos 70 anos que os sentimentos isolacionistas americanos impuseram sua agenda de forma central no governo nacional. O líder ocasional, Trump, não era candidato natural a empunhar tal bandeira. Longe disso. Mas ele, desprovido de maiores escrúpulos, compreendeu e se apropriou do momento. Muitas das bandeiras que empunhou ele vem, como previsto, deixando de lado.

A pressão para a reformulação orçamentária da Otan não será uma delas. Afinal, bilhões a mais gastos por outras terras com defesa incrementariam distintamente os lucros de empresas americanas. Um extraordinário lobista; ao mesmo tempo que reúne maior capacidade militar e tecnológica em torno dos EUA.

Seja lá o que resultará dos encontros, desencontros e embates dos próximos anos é curioso ver os EUA colocando em dúvida, pela primeira vez, o equilíbrio do Atlântico Norte. Discussões e agendas tateadas durante décadas e coroadas com o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), assinado no Rio de Janeiro em 1947. À época, frise-se, ancorada na estabilidade e prosperidade de Europa e Japão. Hoje, a dissolução aberta de novos arranjos está de olho no crescimento de "Estados não operacionais” e regiões conflagradas.

Com o deslocamento da massa econômica para o Pacífico, a Otan realmente talvez tenda a perder mais e mais seu protagonismo. Seu esfarelamento por questões políticas não serviría, entretanto, à paz, nem tampouco sua manutenção como mero grande esquema de demanda lucrativa para a indústria bélica.

Porque com a ousadia e maldade do terror a capacidade militar é cada vez mais necessária. E ao não permitir restaurar a distinção entre combatentes e não-combatentes o terrorismo aumentou a insegurança de todos, mas não a ponto de diminuir a obediência voluntária ao Estado, da maioria que tem juízo. (Com Henrique Delgado)

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP. Artigo publicado no jornal Estado de Minas no dia 28 de maio de 2017.

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