Legislação
21/10/2024Reforma Tributária: empresas podem esperar 20 anos para receber saldo credor e crédito acumulado do ICMS
Segundo o texto a EC 132/2023, valores homologados até 2033 poderão ser parcelados em até 240 vezes
A questão dos saldos credores do ICMS no Brasil é uma problemática que afeta a competitividade e a operação de diversos negócios, em especial as exportadoras. Com a aprovação da Reforma Tributária, agora em fase de regulamentação com a tramitação dos projetos de leis (PLPs 68/24 e 108/24) no Congresso Nacional, esse cenário pode passar por uma transformação relevante, prometendo mudanças que visam reduzir a distorção existente e trazer mais neutralidade ao sistema.
Há grande incerteza é se o saldo credor e os créditos acumulados do imposto até 2033, quando o novo sistema entra 100% em vigência, serão de fato ressarcidos aos contribuintes. Esse tema foi debatido na reunião do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), ocorrida na última quarta-feira (16).
Os especialistas Eduardo Barboza Muniz, sócio da Brigagão Duque Estrada Advogados (BDE) e diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), e Nélio Luiz Valer, especialista em Direito Tributário e em auditoria e perícia contábil e sócio da Troia Consultoria Empresarial, discutiram os aspectos jurídicos e práticos relacionados a esses créditos de ICMS.
Cenário pré-reforma
No cenário atual pré-reforma, a gestão dos saldos credores acumulados apresenta diversos entraves. De acordo com o relatório How to Manage Value-Added Tax Refunds, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2021, as principais dificuldades encontradas eram a resistência dos Estados em monetizar os créditos acumulados, a ausência de correção monetária adequada e a falta de um sistema eficiente para a devolução dos créditos.
“Essa resistência se acentua nos Estados que alegam não ter fundos públicos assegurados para devolver os créditos acumulados, o que compromete a neutralidade do ICMS e onera as exportações. Há divergência interpretativa da legislação, na qual os Estados não consideram os saldos credores como dívidas no orçamento oficial, ou seja, se não está no planejamento de gastos, dificilmente será quitado”, apontou Muniz.
O montante atual de saldos credores acumulados é incerto, mas as estimativas para empresas listadas na B3 apontam para um valor em torno de R$ 46 bilhões. Esse número, porém, é apenas a “ponta do iceberg”, uma vez que o total acumulado em nível nacional permanece desconhecido. Essa falta de transparência é um dos pontos criticados, uma vez que dificulta a formulação de políticas públicas e a previsibilidade para as empresas.
Além disso, a ausência de um mecanismo claro e universal de homologação dos créditos também gerava insegurança jurídica. Em muitos casos, os negócios lidavam com longos períodos de espera para receber os ressarcimentos, situação que se agravava pela falta de atualização monetária dos valores devidos.
“Diante de transformações no cenário tributário brasileiro, que mudará a estrutura fiscal do País, a sistemática do crédito acumulado afetará diretamente o dia a dia das empresas do comércio”, afirmou Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários. Ainda segundo Costa, também presidente do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP), o novo sistema levanta questões antigas, mas pode ser uma oportunidade para resolver problemas no contexto da reforma.
Exceção paulista
No âmbito do Programa de Conformidade Fiscal, conhecido como Nos Conformes, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) utiliza o sistema de ranqueamento de empresas para liberar mais rapidamente os créditos acumulados aos contribuintes. Por meio do Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado (e-CredAC), o contribuinte deve requerer o ressarcimento em um processo que consiste em sete etapas — cinco para quem estiver classificado como A+, A e B.
Valer, da Troia, explicou como o procedimento funciona no dia a dia e quais opções os contribuintes têm para utilizar os valores recuperados. “Dentre as possibilidades, destaca-se a transferência para outros contribuintes mediante autorização do secretário da Fazenda, atualmente realizadas pelo Programa ProAtivo, que já injetou R$ 4,6 bilhões na economia paulista”, afirmou.
Segundo o especialista, o tratamento paulista dos saldos credores deve ser estudado pelo Comitê Gestor para acelerar e potencializar o recebimento dos valores devidos do ICMS até 2033.
Confira aqui a apresentação completa de Valer.
Impactos da Reforma Tributária
A nova Reforma Tributária, estabelecida pela Emenda Constitucional (EC) 132/23, busca redesenhar esse cenário. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a promessa é de uma não cumulatividade ampla, com um sistema de devolução dos créditos acumulados que visa eliminar os embaraços e as distorções observadas atualmente.
Um dos pontos mais importantes do assunto é a previsão de utilização dos saldos credores acumulados do ICMS para compensação futura, em 240 parcelas, com o IBS ou o ressarcimento, bem como a transferência para terceiros a partir de 2033. Essa mudança representa uma tentativa de solucionar o problema crônico de acúmulo de créditos nas empresas, principalmente aquelas atuantes no comércio exterior, tornando o sistema mais adequado e equânime.
No entanto, os negócios podem esperar até 20 anos (240 meses) para receber os valores, sem correção monetária até dezembro de 2032. Com o início da transição para o IBS, a partir de 1º janeiro de 2033, os contribuintes poderão protocolar os pedidos de homologação dos saldos credores, que haverá atualização monetária a partir de 1º/2/2033 pelo IPCA. Lembrando que o Fisco deverá se pronunciar sobre o pedido no prazo máximo de 24 meses da data do protocolo. Apesar de a reforma prever essa atualização dos créditos, a lacuna temporal gera preocupações quanto ao impacto inflacionário e à perda de valor real dos valores.
Quando os Estados homologarem os créditos acumulados, os valores se tornarão débitos e deverão ser pagos pelo caixa do próprio Estado, sem possibilidade de ocultar as dívidas. Isso pode levar algumas regiões a dificultar a homologação.
Projeções e incertezas
A promessa de neutralidade do novo sistema tributário, que inclui a devolução dos créditos tanto do saldo credor como do crédito acumulado, será essencial para garantir a competitividade das empresas brasileiras no cenário internacional, além da saúde fiscal dos Estados. No entanto, a resistência política e a necessidade de ajustes legislativos adicionais ainda representam impasses para a implementação plena das mudanças propostas.
“O Brasil busca se alinhar às melhores práticas internacionais de gestão de impostos sobre valor agregado, garantindo que a devolução dos créditos seja uma prioridade, e não uma exceção. Mas o sucesso dessa transição dependerá da efetividade dos mecanismos de compensação (split payment), da adaptação dos prazos e da superação das resistências locais”, afirmou Muniz.
De acordo com a FecomercioSP, a reforma, desde o início, promete solucionar disfunções históricas e pavimentar o caminho para um ambiente de negócios mais competitivo e estável — porém, até o momento, não há clareza sobre a eficácia prática das ferramentas anunciadas pela reforma tributária, como split payment e a competência do Comitê Gestor para garantir o funcionamento do novo sistema, sem prejuízos para contribuintes, Estados e municípios.
A Entidade continuará participando do debate da regulamentação da Reforma Tributária no Congresso para garantir a isonomia fiscal entre os setores produtivos e a manutenção da carga tributária atual, bem como mobilizando o Poder Público sobre a necessidade de o governo avançar em medidas para reduzir os próprios gastos.
Acompanhe as novidades e todas as movimentações da FecomercioSP referentes à Reforma Tributária por este link.
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